O conflito entre Rússia e Ucrânia não parece próximo do fim, já que os lados não chegaram a um acordo nas negociações de paz. Na quarta-feira, 5, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, declarou que a guerra pode durar anos. “Temos que ser realistas. A guerra pode durar muito tempo, vários meses, até anos. É a razão pela qual também temos que estar preparados para um longo percurso, tanto no que diz respeito ao apoio à Ucrânia, como na manutenção das sanções e no fortalecimento das nossas defesas”, declarou. “Não vemos nenhum indício de que Putin tenha mudado seu objetivo de controlar toda a Ucrânia”, destacou. Diante do constante apoio enviado pelos países ocidentais e da retomada do controle de algumas regiões pelas tropas ucranianas, fica o questionamento: a Ucrânia pode ganhar a guerra? A questão divide as respostas dos especialistas, que concordam que tudo depende de quais são os objetivos de Vladimir Putin.
Kai Enno Lehmann, professor associado do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), fala que essa não é uma resposta clara e que tudo depende do que é considerado vitória. “Se significa dizer que todos os soldados russos vão ser expulsos do país, inclusive das regiões controladas pela Rússia, isso parece difícil a curto prazo”, afirma. Para ele, enquanto o Ocidente estiver mandando armamentos, “é difícil imaginar que a Ucrânia vai perder”. Já Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, afirma que uma vitória militar dos ucranianos é totalmente impossível, e até fala que esse fato já está comprovado diante de tudo o que aconteceu no conflito que já se aproxima dos dois meses. “As tropas ucranianas não têm o mesmo poder que as russas. Elas conseguiram preservar e manter, em certa medida, o território ucraniano, principalmente próximo a Kiev, mas o exército russo tem mais poder. Então descarto essa oportunidade”, explica Uebel, que também aponta que as principais forças do Exército da Ucrânia são a defesa e a reconquista de território. Nas últimas semanas, as tropas ucranianas recuperaram as seguintes regiões: Irpin, Bucha, Gostomel e toda a região de Kiev. Essa tomada de controle também tem a ver com o acordo realizado na rodada de negociações de cessar-fogo do dia 28 de março, quando os russos anunciaram a retirada de suas tropas dos entornos de Kiev, a capital do país, e de Chernihiv.
O pensamento de Leonardo Paz, analista de inteligência da FGV, encaminha para o mesmo do professor da ESPM. Ele fala que as chances da Ucrânia são pequenas. “Vitória militar só se configura se a Rússia sair sem conseguir nenhuma das suas demandas”, explica. Ele ainda diz que o mais provável é que haja “uma solução negociada”, até porque a Ucrânia já cedeu em um dos principais pontos das exigências de Vladimir Putin, que é a de assumir um status de neutralidade. Pelo fato do conflito ainda ser recente, comparado com outras guerras que acontecem, Paz afirma que é difícil apontar se alguém está levando vantagem. “Existia uma alta expectativa de que a Rússia ia acabar com tudo rápido. Falou-se que eles tomariam Kiev em três dias”, contextualiza o analista. Ele também fala que “subestimaram os russos e não acreditaram que a Ucrânia iria resistir”, por isso, ainda é “cedo para dizer que alguém tem vantagem”. Para ele, um diferencial que a Ucrânia possui em relação aos russos é a “guerra de atrito e uma guerra de guerrilha”. E boa parte desse sucesso se deve ao fato de que eles conseguiram engajar parte da população. “Outra grande vantagem é que poucas vezes a gente viu um país receber tanto reforço de tantas partes do mundo. Falta de arma não vai ser um problema”, diz.
Kai Enno reforça esse apoio e fala que enquanto o Ocidente estiver ajudando, a guerra vai estar na atenção pública. “Esse conflito pode se estender muito ainda, talvez não da mesma forma que estamos vendo”, por isso, segundo ele, “para Volodymyr Zelensky, é importante que o conflito continue na consciência pública mundial por muito tempo, senão a gente pode ter um conflito de baixa intensidade”, diz, referindo-se a outros confrontos que ainda acontecem e foram deixados de lado, como é o caso da Síria, que acontece desde 2011. O professor da USP também relembra que Putin está invadindo territórios há 20 anos e que, por essa razão, problemas como o da Ucrânia vão continuar acontecendo, porque nada indica que ele vai parar, independente do resultado.
Nessa nova fase do conflito, depois que a Rússia desistiu de capturar Kiev e mudou sua estratégia, a região de Donbass e da Crimeia têm sido o holofote do conflito, pois são locais importantes para os desejos do líder russo. Segundo o professor Roberto Uebel, a região “faz parte da zona tampão” entre os dois países, e é uma das “principais disputas políticas, porque a Rússia está com posições bem consolidadas nessas regiões”. Paz fala que essa é a razão número um para que as negociações de cessar-fogo não avancem, porque a “Ucrânia tem se negado a reconhecer a independência das regiões de Donetsk e Luhansk e conceder a Crimeia – anexada em 2014 – para a Rússia”. Kai Enno relembra que o conflito na região da Crimeia já dura sete anos e que Putin, em algum momento, precisa mostrar uma vitória e falar que a invasão valeu a pena. Para o professor da USP “é bem possível que a Ucrânia não perca a guerra, mas ela também não vai ganhar, no sentido tradicional da palavra”.