Bares podem vetar a entrada de crianças acompanhadas dos pais? Entenda a polêmica

Miúda é um dos bares considerados descolados que fazem sucesso na Santa Cecília, região central de São Paulo

Na tarde do último sábado, 2, a atriz e fotógrafa Marcelle Cerutti foi barrada de entrar num dos novos bares “descolados” de São Paulo, o Miúda Bar, na Santa Cecília, por estar com o filho Luca, criança de cinco anos. Convidada para a festa de aniversário de uma amiga, Cerutti nem sequer pôde “dar uma passada” na área interna para cumprimentar a aniversariante, que teve que ir até a porta para falar com ela. A atriz, então, reclamou da atitude do estabelecimento nas redes sociais, iniciando uma polêmica. O bar justificou em nota oficial que, junto com uma assessoria jurídica, havia decidido que o local não era propício para menores de idade, mesmo quando acompanhados de pais ou responsáveis. A atitude não é respaldada pela legislação: um estabelecimento não pode rejeitar a entrada de crianças, a não ser em casos de algum tipo de apresentação que seja inapropriada para faixas etárias determinadas por órgão competente.

A nota do estabelecimento atraiu mais críticas. Cerutti reforçou um de seus pontos: sempre que crianças são excluídas de um local, mães também são. Considerado um dos points “hipsters” da cidade e frequentado por um público que afirma ter a inclusão como valor, o Miúda possui cadeiras de praia, uma área aberta com chão coberto de brita e luzes neon espalhadas pelo local, além de grafites com posicionamentos políticos. O local aceitava até mesmo a presença de cães. Mas a demonstração de exclusão de menores de idade, mesmo quando acompanhados dos pais, se tornou um ponto de reclamação e críticas.

A Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) têm trechos que poderiam se aplicar ao caso. O artigo III da Constituição aponta que o bem-estar de todos deve ser promovido, e cita diversos preconceitos que não podem acontecer, entre eles o gerado pela idade; o CDC cita que um estabelecimento não pode se recusar a vender bens ou fornecer serviços a um cliente que esteja disposto a pagar, o que é classificado como prática abusiva; e o ECA estabelece que é dever de todos evitar que crianças passem por determinadas situações, incluindo tratamento vexatório ou constrangedor. Em relação a apresentações inapropriadas, o artigo 220 da Constituição estabelece que cabe ao poder público informar sobre a natureza dos espetáculos e definir para quais faixas etárias ele é proibido, não aos próprios organizadores ou donos do local. Em postagem nas redes sociais, Cerutti contou que Luca entendeu o ocorrido e que ela tentou evitar que ele se sentisse culpado, responsabilizando o Miúda.

“Não é porque o local fornece bebida alcoólica que se vai proibir a entrada de crianças e adolescentes. Se não, elas não vão poder entrar em lugar nenhum, já que até na padaria se fornece bebida alcoólica”, comenta o especialista em defesa do consumidor José Pablo Cortes. Sobre as limitações que podem ser impostas para proteger o público infantil de apresentações inapropriadas, ele explica como são definidas. “Imagine um estabelecimento que tenha um bilhar, uma sinuca, por exemplo. Nesse caso, não é permitida a entrada e permanência de crianças. Ou um estabelecimento no qual, a partir de determinado horário, tenha shows em que a classificação etária seja de 14, 16, 18 anos… A questão não é o horário, mas a atividade exercida. Se essa atividade para adultos é a partir de um horário, o local funciona normalmente a partir de determinada hora. Mas se depois vai ter um show para adultos, pode ser um show humorístico com piadas mais pesadas, classificado como impróprio para determinadas idades, aí eles têm o dever de cumprir o ECA e impedir o acesso de menores”.

 

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Sobre a possibilidade da existência de riscos físicos, Cortes pontua que o estabelecimento deve preservar a integridade de todos os clientes. “Se a criança está ingressando no estabelecimento dela, ela está com os pais. Agora, a obrigação geral de um estabelecimento é evitar riscos para todos. Toda atividade econômica tem riscos ligados a essa atividade, e os fornecedores são responsáveis objetivamente, ou seja, independentemente de culpa, são responsáveis pelos riscos aos consumidores, qualquer um deles. Um espaço de festas para crianças, por exemplo, que tenha brinquedos, tem que tomar todos os cuidados para que esses brinquedos não possam ocasionar nenhum acidente”.

O especialista ainda avalia que “espaços kids”, pensados para crianças, podem existir, mas elas não devem ficar confinadas neles. “A criança tem todo o direito de estar com os pais, sentada na mesma mesa, sob a supervisão deles. Se quiserem abrir um espaço para crianças, onde possam voluntariamente ingressar e sair, e os pais possam tê-las tanto consigo quanto lá no espaço, não vejo problema. O que não poderia, no meu entendimento, é haver um espaço em que a criança tenha obrigatoriamente que ficar lá, separada dos pais”, afirma. Cortes ainda disse que, na situação de Cerutti, o melhor a ser feito era documentar o ocorrido, conversando com testemunhas e talvez gravando, mas de forma calma e ponderada, caso fosse necessário negociar uma solução ou entrar com representações no Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) ou na Justiça. Procurado pela Jovem Pan, o Procon-SP disse que pediria esclarecimentos ao Miúda antes de decidir se tomaria alguma ação.

Uma das sócias do Miúda, Ana Cláudia Araújo informou através das redes sociais que o bar voltou atrás na decisão de impedir a entrada de crianças. Araújo pediu desculpas a quem não pôde frequentar o local antes de dezembro, quando a medida foi adotada, e explicou que a proibição era adotada por medo de que alguma criança se machucasse, mas que haviam entendido, após a polêmica, que os pais ou responsáveis são quem devem definir os locais onde os pequenos podem ficar. O bar ficou fechado na quarta e na quinta, para poder se organizar para o novo funcionamento. Cerutti, por outro lado, ajudou a promover um encontro, o Levante Materno, que será realizado neste domingo, 10, no Parque Augusta, com um piquenique e roda de samba, para marcar a posição de que as mães não devem ter limite de onde podem estar com os filhos.

 

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Fonte: Jovem Pan

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