Crise de refugiados ucranianos é grave e pode travar políticas públicas de países vizinhos, alertam especialistas

Segundo dados divulgados pela Acnur, 9 em cada 10 refugiados ucranianos são mulheres

Passado mais de um mês desde o início da invasão russa à Ucrânia, as consequências do início da guerra no Leste Europeu não se estendem às fronteiras do conflito. Em decorrência de bombardeios da Rússia, das destruições estruturais e do desalento econômico, um número elevado de cidadãos ucranianos tem deixado seu país. Segundo a plataforma do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, desde o início da guerra, em 24 de fevereiro, mais de 3,6 milhões de refugiados já ultrapassaram as divisas ucranianas. Estes dados são repassados à ONU por autoridades europeias situadas em pontos oficiais de passagens nas imigrações. Portanto, o número tende a ser maior.

“Temos mais de 3 milhões e meio de pessoas que saíram do país, os refugiados, e já se estima em mais de 10 milhões dentro da Ucrânia, que são os deslocados. Se compararmos com a população total do país, de quase 45 milhões de pessoas, temos quase 30% da população ucraniana fora de suas casas”, pontua Alexandre Uehara, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP). Os efeitos desta onda de pessoas que se desloca sem uma política de acolhimento é um total desequilíbrio econômico e estrutural que deve ser sentido apenas a “médio e longo prazo”, segundo o especialista. “Se a guerra se estender, como será a acomodação desse povo em termos de emprego, de renda? As crianças não terão escola.”

Heni Ozi Cukier, deputado estadual de São Paulo e com trabalhos realizados no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), destaca que “história, cultura, proximidade geográfica e senso de empatia” beneficiam os ucranianos na hora de serem acolhidos por países vizinhos na Europa. “Mas quando o volume de gente for absurdo, você terá de discutir políticas de educação, saúde, transporte e habitação para tantas pessoas e o impacto da sociedade em absorver tudo isso”, avalia. “O problema será muito sério, longo e difícil de não ocorrer.”

Imigração de refugiados sírios

Em comparação, a Guerra da Síria, que teve início em março de 2011 e ainda não acabou, causou, em um curto espaço de tempo, a locomoção de quase 2 milhões de moradores locais que precisaram procurar abrigo fora de seu país de origem. As consequências desse fluxo migratório no Velho Continente são sentidas até hoje, diz Cukier. Segundo o especialista, a ascensão de partidos políticos ultranacionalistas, neonazistas ou com discurso anti-Europa são impactos causados pela fuga dos árabes do Oriente Médio à Europa. Outro problema derivado do deslocamento em massa foi ter colocado em cheque a essência do projeto europeu de ser uma zona de livre comercio e livre trânsito entre os países.

“A crise de refugiados da Síria conseguiu acabar com isso temporariamente e levou um dos países membros a sair da aliança, o Reino Unido. O Brexit foi causado por isso. As consequências são sentidas ainda hoje, foram anos para o Brexit ser materializado”, salienta o deputado. Em dezembro de 2019, dias antes das eleições para primeiro-ministro no Reino Unido, o então candidato Boris Johnson declarou ao canal de televisão Sky News que, caso assumisse o controle do governo britânico, restringiria o número de imigrantes no bloco para que estes não tratem a Grã-Bretanha “como seu próprio país”.

Há, porém, uma diferença crucial na tratativa entre os refugiados ucranianos e os sírios. “A retórica, no caso da Síria, era vincular Oriente Médio com terrorismo. Havia uma preocupação desse fluxo de pessoas que, entre elas, estivessem alguém que pudesse cometer atos terroristas”, explicou Uehara, após ressaltar que a prática xenofóbica não parece ocorrer com o fluxo migratório da população da Ucrânia. “Isso pode gerar situações onde os governos locais levantam recursos para acomodar os ucranianos, que geralmente são mulheres e seus filhos, já que os maridos ficaram para lutar em defesa do país. Então, será necessário destinar renda para essas famílias. O prolongamento da guerra pode prejudicar as políticas públicas dos outros países.”

Políticas para refugiados ucranianos

No Brasil, o governo federal autorizou a emissão de vistos temporários para ucranianos e apátridas que foram impactados pela invasão do Kremlin ao país vizinho. Segundo portaria interministerial publicada em conjunto com as pastas das Relações Exteriores e da Justiça e Segurança Pública, os refugiados oriundos da crise no Leste Europeu poderão permanecer em território brasileiro, inicialmente, por 180 dias. Após esse período, o imigrante poderá solicitar o direito à residência temporária de dois anos.

Em solo norte-americano, o presidente Joe Biden anunciou recentemente que o país está disposto a receber até 100 mil refugiados provenientes da Ucrânia. Segundo o líder da Casa Branca, a prioridade será dada a quem tem parentes nos Estados Unidos. Não há prazo para a mudança destes imigrantes e a quantia anunciada pela Casa Branca engloba cidadãos que obterem novos vistos neste período.

Com o programa “Casas para Ucrânia”, o Reino Unido pagará 350 libras (o equivalente a R$ 2.315,96) para famílias que ofereceram uma moradia a refugiados em um período mínimo de seis meses. Segundo o governo britânico, não será necessário provar que os refugiados ou os anfitriões têm parentesco ou relações familiares. Michael Gove, ministro da Habitação, afirmou em um comunicado que o momento é “sombrio” e que o “público britânico entende a necessidade de colocar o maior número de pessoas em segurança o mais rápido possível”.

As políticas oferecidas pelas nações, porém, podem não ser o suficiente para lidar com a quantidade de famílias que passaram a procurar abrigo. “Neste momento, a Ucrânia gera uma comoção principalmente aos europeus que estão próximos. Não falam alemão, não falam francês, mas são europeus. E quando estes custos começarem a ser muito alto para a população dos países? Infelizmente, observamos que as ajudas, de maneira geral, são impactantes, mas, com o passar do tempo, perdem força”, opina Uehara. HOC, como é conhecido o parlamentar do Podemos, faz o mesmo questionamento e destaca que a perspectiva de refugiados ucranianos deve chegar a 8 milhões de imigrantes, mas acredita que as discussões sobre este grupo não serão prioridade enquanto a Rússia manter os bombardeios. “Talvez, daqui a um tempo, com o conflito mudando de estágio, haverá espaço para outras discussões. Uma delas, com certeza, será a dos refugiados. Não consigo ver isso não sendo um problema grave em breve”, lamenta Heni.


Fonte: Jovem Pan

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