Decreto que proibia esportes femininos faz 80 anos e mulheres ainda enfrentam restrições: ‘Torcida só quer paquerar’

Meninas do LeSisters durante uma partida de futsal

Você sabia que as mulheres foram proibidas de praticar o futebol e outras modalidades esportivas no Brasil por quase quatro décadas? Nesta quarta-feira, dia 14 de abril, o Decreto-Lei 3.199/41 assinado pelo então presidente Getúlio Vargas faz 80 anos. O documento informava que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. O Decreto interferiu diretamente no desenvolvimento dos primeiros times femininos do país, que começavam a se formar em 1940. Apesar das restrições, as mulheres resistiram e continuaram a praticar o esporte. Algumas se apresentavam em circos para driblar a fiscalização e outras praticavam escondidas. Mas para o governo ainda era pouco. Em 1965, durante a ditatura militar, o General Eloy Massey Oliveira de Menezes, que na época era presidente do Conselho Nacional de Desportes, estendeu a segregação no esporte com a Deliberação nº07 que dizia “não é permitida [à mulher] a prática de lutas de qualquer natureza, do futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball”. Ambas as restrições duraram até o ano de 1979.

A regulamentação do futebol feminino, por exemplo, veio apenas em 1983, época em que a seleção brasileira masculina já era tricampeã do mundo. Todo esse tempo de inatividade do esporte feminino reflete até hoje na disparidade das modalidades. O futebol feminino no Brasil tem menos investimento, menos patrocínio e menos visibilidade do que o masculino e ainda enfrenta o preconceito de que “mulher não combina com a prática do futebol”. E se já é difícil no meio profissional, na área amadora é ainda mais complicado. A advogada Marcela Bardini fundou o LeSisters, um time amador de futsal da capital de São Paulo, porque não encontrava lugares onde praticar a modalidade. “Quando terminei a faculdade tive dificuldade de encontrar onde praticar. A mulher não tem a mesma facilidade para encontrar um lugar que seja seguro e bacana para isso. Nós não procuramos o esporte pelo encontro social, como os homens fazem, nós vamos porque gostamos de praticar. Por isso eu juntei umas amigas que queriam jogar e formamos o LeSisters”, disse em entrevista à Jovem Pan.

Em dez anos de existência, o LeSisters tem hoje 211 meninas e quatro equipes na região central da capital. Em tempos normais fora da pandemia, elas têm aulas aos finais de semana e, de três a quatro vezes ao ano, organizam campeonatos interclubes. Mas mesmo com toda a determinação, enfrentam muita resistência. “Você vai jogar e os caras ficam mexendo ou dizendo ‘Nossa, essa joga mesmo’. Você joga com uma torcida que não está pelo esporte, é só para paquerar. Tem muitos desafios: o de chegar com uma roupas esportiva e praticar enquanto os homem ficam falando bobagens e, principalmente, na hora de ir embora pelo risco do horário, porque só podemos jogar à noite”, diz Marcela. “É tudo muito complicado, o preconceito de praticar o esporte e associar à sua sexualidade e falta de feminilidade. A mulher não é criada para ser atleta e para dedicar o tempo dela à isso, diferente dos meninos. Os estímulos em casa são diferentes”, pondera a advogada. Questionada sobre os 80 anos do Decreto-Lei, Marcela diz que o futebol feminino ainda sofre muito com a proibição. “O que falta hoje é a gente ganhar esse tempo todo que perdemos. São 40 anos de atraso. Temos que correr atrás do prejuízo. E é um prejuízo cultural vermos o futebol como força física. Na hora em que as pessoas se preocuparem menos com isso e o esporte feminino tiver mais oportunidade, nós teremos mais igualdade”, completou.


Fonte: Jovem Pan

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