Mais de 120 passageiros decolaram da Grécia na manhã de domingo, 23, esperando chegar na Lituânia em cerca de três horas. Porém, pouco antes do horário previsto para pousar, o piloto da companhia aérea irlandesa Ryanair foi contatado pelo controle de tráfego aéreo de Belarus, país que o Boeing 737-800 estava sobrevoando naquele exato momento. As autoridades disseram à tripulação que havia uma ameaça de bomba a bordo e enviaram um caça MiG-29 para escoltar a aeronave até o aeroporto de Minsk, a capital bielorrussa. Do lado de fora da cabine de comando, os passageiros sentiram uma queda súbita quando o avião iniciou o processo de pouso de emergência. “Foi um mergulho repentino, alterando drasticamente a altitude. Foi muito violento. Todos nós no avião entramos em pânico porque pensamos que íamos cair”, relatou a lituana Raselle Grigoryeva à emissora de televisão norte-americana ABC News. Não é exagero dizer, no entanto, que a pessoa mais assustada com o desvio na rota era um jovem de 26 anos, que repetia aos comissários de bordo e aos demais passageiros que enfrentaria a pena de morte caso o avião pousasse na sua cidade-natal.
Roman Protasevich participa de manifestações contra o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, pelo menos desde os seus 15 anos. Em 2011, ele se tornou um membro da organização de oposição Young Front e passou a administrar uma conta na rede social VKontakte dedicada à publicação de conteúdos contra o governo. Nesse meio tempo, ele trabalhou nas rádios Euroradio.fm e Radio Liberty e cursou jornalismo na Universidade Estatal de Belarus até ser expulso em 2018. No ano seguinte veio o pedido de exílio político e a mudança junto com os pais para a Polônia, de onde Protasevich passou a administrar o Nexta, conta no Telegram que se tornou a principal fonte de informações sobre os protestos contra a reeleição de Lukashenko para um sexto mandato consecutivo em agosto de 2020. Esse trabalho levou à acusação de que o jornalista teria organizado motins em massa, violado gravemente a ordem pública e incitado a inimizade social, o que o colocou na lista de terroristas do Comitê de Segurança do Estado de Belarus, mais conhecido como KGB.
Com a ameaça de ser preso ou sofrer a pena de morte caso voltasse ao seu país, Protasevich deu continuidade à sua carreira e ao seu ativismo no exterior. Na fatídica manhã de domingo, 23, ele estava voltando para casa após fazer a cobertura de uma visita da líder da oposição bielorrussa Svetlana Tikhanovskaia à Grécia para o seu novo canal no Telegram, Belarus of the Brain. Quando se deu conta de que seria preso ao pousar em Minsk, o jornalista tirou seus pertences pessoais do compartimento de bagagem e começou a quebrar todos os equipamentos eletrônicos que levava consigo. Algumas testemunhas dizem que ele chegou a pedir a um membro da tripulação da Ryanair que não o entregasse, mas o funcionário afirmou que legalmente não havia outra escolha. “Este avião foi desviado por minha causa, está tudo acontecendo por minha causa. Procure meu nome no Google e saberão quem eu sou. Aqui, a pena de morte me aguarda”, disse o Protasevich aos passageiros, que continuavam sem entender o que estava acontecendo. Após o desembarque, Protasevich e a sua namorada, a cidadã russa Sofia Sapega, foram revistados separadamente dos demais. Depois disso, o casal não voltou a ser visto pelos colegas de bordo.
Desastre diplomático
Os acontecimentos do último domingo, 23, representaram um verdadeiro desastre diplomático para Belarus. O especialista em relações internacionais Manuel Furriela acredita que o incidente deve deixar a ex-república soviética ainda mais isolada do restante do mundo. Além de diversos líderes mundiais terem condenado publicamente o desvio do voo civil e a prisão do jornalista opositor, a União Europeia decidiu impor sanções econômicas e bloqueios aéreos à nação. Na prática, isso significa que as companhias do bloco econômico estão sendo aconselhadas a não sobrevoar o país do Leste Europeu, enquanto todas as empresas bielorrussas foram proibidas de passar pelo espaço aéreo dos 27 países-membro da União Europeia. “A decisão representa um receio de que situações como essa voltem a acontecer”, aponta Furriela. O especialista acredita que o fato de haver pessoas de diferentes nacionalidades a bordo também foi um agravante.
O governo bielorrusso, é claro, nega as acusações de que “sequestrou” a aeronave para deliberadamente prender Roman Protasevich. De acordo com a versão do presidente Alexander Lukashenko, as autoridades aeroportuárias ficaram sabendo de uma suposta ameaça de bomba no voo que ia de Atenas à Vilnius através de um e-mail enviado pelo movimento islâmico palestino Hamas, apesar do grupo ter negado qualquer envolvimento com o incidente e nenhum explosivo ter sido encontrado na aeronave. Ainda segundo o presidente, as forças bielorrussas agiram dentro das “normas internacionais” ao ordenar que o avião pousasse em Minsk e ao enviar um caça para fazer a escolta. Lukashenko acrescenta que a prisão de Protasevich e Sapega foi uma “coincidência” merecida, já que o casal teria cruzado “as linhas do bom senso e da moralidade humana”, e defende que as acusações da comunidade internacional são fruto de uma procura por “vulnerabilidades” antes dela “se lançar contra o Oriente”.
Apesar da postura aparentemente inflexível de Lukashenko, a verdade é que Belarus é a maior prejudicada pelas sanções. “A economia bielorrussa é considerada industrializada, mas suas indústrias são obsoletas, com uma pequena produção interna de bens de consumo. Por isso, ela depende bastante do comércio com a União Europeia. Um dos seus pontos fortes é a sua localização geográfica, que lhe permite servir como caminho para os produtos da Rússia ao restante da Europa, mas ainda assim o país é pouco relevante no cenário internacional”, analisa Furriela. Esse é, inclusive, um dos motivos para a União Europeia ou mesmo os Estados Unidos não terem interesse em intervir diretamente para acabar com o autoritarismo no país. “É uma medida que politicamente e militarmente nenhum país vai querer tomar ou assumir o desgaste, até por causa do apoio que Belarus tem da Rússia. O governo de Joe Biden é, sim, mais crítico em relação a Vladimir Putin, mas isso não significa que ele vá tomar medidas muito concretas contra Alexander Lukashenko”, afirma o especialista em relações internacionais.
Fonte: Jovem Pan