Desde o fim da União Soviética (URSS) em 1991, a Rússia tem se envolvido em vários conflitos, sendo o mais recente a invasão à Ucrânia, iniciada na quinta-feira, 24. Dos confrontos que participou, com exceção da Síria, todos tiveram a mesma razão principal: a independência conquistada pelos países com o fim das Repúblicas Socialistas e a aproximação com o Ocidente. Para especialistas ouvidos pela Jovem Pan, o governo russo tenta restaurar parte do que foi a URSS, aumentar suas zonas de influência, hegemonia e projetar o seu poder.
O professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel, faz uma análise dos motivos russos para entrarem em guerras. “A Rússia quer fazer-se presente no mundo. Os países se envolvem em conflitos para projetar poder, exercer a sua hegemonia e, como temos visto no caso da Ucrânia, para demonstração de força”, explica. “O que sabemos sobre esses últimos ataques é que foram feitos para demonstrar o poder da Rússia e a insatisfação com o fato da Ucrânia ingressar na Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Vejo a invasão como um ataque preventivo de demonstração de força, e um sinal de que, caso haja uma concretização da sua adesão à Otan e a União Europeia, a Rússia poderá agir de maneira ainda mais forte”, acrescenta.
O analista de Inteligência Qualitativa do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Leandro Paz, concorda com a tese de Uebel. “A Rússia acredita que está sendo ameaçada pelo avanço da Otan para o Leste Europeu. O que o Putin está tentando fazer é interromper o processo de expansão da Otan em direção às suas fronteiras. Essa é uma ação que ele considera de defesa”, afirmou à reportagem. O cientista político Leandro Consentino avalia que os mandatários russos – Vladimir Putin está há mais de 20 anos no poder – entram em conflitos desta natureza para impedir a entrada de nações do Ocidente em um espaço que já foi seu, mas também para transmitir uma ideia de “grande Rússia”. “Se a Rússia não ampliar o seu território nominalmente, ao menos amplia sua esfera de influencia”, explica.
A potência russa
O professor Roberto Uebel pondera que, embora não seja uma potência econômica, a Rússia possui recursos suficientes para entrar em conflitos. “Eu diria que a Rússia tem recursos militares para se envolver em conflitos, é uma das maiores forças militares do mundo ao lado de China, Estados Unidos, Reino Unido e França. Então, ela tem capacidade militar para tal. A questão é a duração dessa guerra”, avalia. O especialista da ESPM afirma que, neste momento, não é possível prever quanto tempo a guerra pode durar. Porém, Uebel acredita que, nos próximos dias, Putin e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, sentarão para dialogar – a imprensa russa tem anunciado que o Kremlin se posicionou a favor do diálogo, desde que não haja intermediação dos governos externos. “O caminho mais indicado para qualquer crise internacional sempre será a diplomacia, o diálogo evita guerras, ataques militares e ataques bélicos. O caminho mais simples é a diplomacia e a negociação”, diz.
Leandro Paz, por sua vez, aposta em outra solução para o conflito do Leste Europeu. Para o analista, a melhor solução passa pela pressão do Conselho de Segurança Internacional da ONU, impondo sanções e outros embargos. A ideia é tornar uma guerra, que já tem um custo altíssimo, fique ainda mais cara – a invasão da Rússia à Geórgia, em 2008, custou bilhões de dólares. “Não existe um caminho mais indicado para resolver as guerras, porque cada país tem o seu motivo. A melhor forma para solucionar seria ter ações custosas que demonstrem que não vale a pena entrar em outro embate. Mas isso demanda um grande ajuste nas políticas internacionais, algo que raramente no mundo”, analisa. “Ainda é muito cedo para se ter uma resposta quanto à duração dessas invasões. O que sabemos, de fato, é que esses ataques foram feitos para demonstrar o poder da Rússia e a insatisfação de que a Ucrânia ingresse na Otan”, acrescenta. “Na cabeça dos russos, os Estados Unidos e os países da Otan romperam uma promessa que foi firmada com o fim da União Soviética. Tinha sido acordado que eles não iriam expandir o seu domínio pelo Leste Europeu. Mas, na década de 90, quando a Rússia estava frágil, a Otan se expande para quase todos os países do leste, exceto Belarus e Ucrânia, que são os dois com maior fronteira com a Rússia”, finaliza.
Os conflitos que a Rússia se envolveu desde 1991
O primeiro conflito foi o da Chechênia, que foi dividida em duas partes, que durou de 1994 até 1996 e de 1999 até 2000. Não satisfeitos com a soberania do país, os russos atacaram a capital Grozny e alegaram que estavam realizando uma operação antiterrorista na região. Em 2008, o Kremlin liderou a invasão da Geórgia, que, à época, tinha o interesse de ingressar na União Europeia e na Otan. Em reação, a Rússia reconheceu a independência de dois territórios separatistas no país: Ossétia do Sul e Abkházia. O terceiro conflito, da Crimeia, ocorreu em 2014, e foi encerrado com a anexação da península, que sempre teve uma forte aliança com os russos. No conflito sírio, o governo Putin, principal aliado de Bashar al-Assad, impediu que a ONU impusesse sanções ao mandatário sírio.