O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi eleito em 2018 carregando consigo a forte bandeira anticorrupção. Para mostrar seu comprometimento em combater este tipo de crime no Brasil, Bolsonaro escolheu o juiz Sergio Moro como ministro da Justiça e Segurança Pública. O juiz ganhou notoriedade nacional por comandar por quatro anos os julgamentos em primeira instância da Operação Lava Jato, que investigou esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo grandes empresas, como a Odebrecht e a Petrobras, e prendeu muitos políticos, incluindo o ex-presidente Lula, que foi condenado por Moro a nove anos e seis meses de prisão. Com as revelações de corrupção no governo petista, o impeachment da presidenta Dilma Rouseff em 2016 e a prisão de Lula em 2017, o antipetismo e a anticorrupção encheram as ruas das maiores cidades do país com bandeiras em apoio à Lava Jato. Mas, desde de 2019, a Lava Jato vem sofrendo reveses. O primeiro foi a revelação de conversas entre o coordenador da operação em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, e o ex-juiz Sergio Moro, pelo site The Intercept em junho de 2019, que ficou conhecida como Vaza Jato.
Em novembro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), por 6 votos a 5, definiu a inconstitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância. A decisão culminou na soltura do ex-presidente Lula, que estava preso desde abril de 2018 após sentença do caso do triplex no Guarujá, e reverteu a prisão de outros políticos presos pela operação. Em 2020, nomeado como “superministro”, Moro passou de alicerce para um dos principais desafetos do presidente. Além disso, Dallagnol deixou o comando da operação em Curitiba. Como se não bastasse, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deu várias investidas contra a Lava Jato, a força-tarefa de São Paulo foi encerrada e a de Curitiba quase viu seu fim nas mãos da PGR.
Após demissão, Moro se torna rival de Bolsonaro
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro pediu demissão em 24 de abril, logo após Maurício Valeixo ser exonerado da diretoria-geral da Polícia Federal. Em coletiva de imprensa, Moro acusou o presidente Bolsonaro de intervir no comando da Polícia Federal por motivos pessoais. “O grande problema de realizar essa troca, primeiro: havia uma violação a uma promessa que me foi feita inicialmente, que eu teria carta branca. Em segundo lugar, não havia um causa para essa substituição, e estaria claro que estaria ali havendo uma interferência política na Polícia Federal”, disse Moro em pronunciamento. “Falei ao presidente que seria uma intervenção política, e ele disse que seria mesmo”, revelou. Segundo o ex-ministro, não era a primeira vez que o chefe do Executivo mostrava motivações políticas para mudanças.
No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento de cerca de 40 minutos para rebater as acusações de Moro. Rodeado de ministros, Bolsonaro afirmou que o ex-ministro pediu, mais de uma vez, indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em sua fala, Moro havia antecipado e negado a informação, que já circulava pela mídia. A demissão do ministro gerou um racha na base do governo, que foi eleito pregando o combate à corrupção e com acenos à Lava Jato. Os boatos de que Moro se lançaria como candidato à Presidência em 2022 eram recorrentes nos bastidores do governo, mesmo enquanto ele ainda era ministro. Em 2019, Moro sofreu diversos contratempos provocados por Bolsonaro, como a perda do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e a troca no comando da Superintendência Regional da Polícia Federal no Rio. Em janeiro de 2020, Bolsonaro já havia manifestado a intenção de recriar o Ministério da Segurança Pública, o que tiraria poder de Moro. Após a saída do ministro, a ameaça de Moro se lançar como candidato se tornou ainda maior. A troca de farpas entre o presidente e o ex-juiz deram combustível necessário para que os bolsonaristas desmoralizassem não só a figura de Moro, mas também a da operação Lava Jato.
Guerra declarada entre Aras e Lava Jato
A escolha de Augusto Aras como procurador-geral da República pelo presidente Jair Bolsonaro foi vista com maus olhos pelo Ministério Público Federal, pois o nome de Aras não estava na lista tríplice para o cargo, elaborada a partir de uma eleição interna pelos membros do MPF. A situação piorou após a saída de Sergio Moro. Desde maio, Aras tenta acessar o banco de dados da operação, que contém informações sigilosas sobre os investigados. A subprocuradora Lindôra Araújo foi até Curitiba a pedido do PGR para ter acesso ao banco. A falta de um pedido formal e aviso sobre a visita fez com a força-tarefa fizesse uma reclamação oficial à corregedoria. O PGR foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) após as três forças-tarefas – Curitiba, Rio e São Paulo – resistirem a abrir dados indiscriminadamente. As investidas foram freadas temporariamente pelo relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin. Em seguida, a queda de braço se intensificou. Em julho, Aras afirmou que o “lavajatismo há de passar”.
O procurador-geral da República tem como projeto acabar com o modelo de forças-tarefas. Em 2020, dois modelos começaram a ser discutidos pela PGR: o de Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), que seria criada para centralizar as investigações em Brasília e os procuradores destacados seriam escolhidos por Aras, e dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos), uma estrutura permanente de investigação instalada pelos Ministérios Públicos. No âmbito estadual, o modelo de Gaecos já existe há 25 anos. No âmbito federal, o primeiro grupo foi instituído apenas em 2020, apesar da possibilidade existir desde 2013. Em agosto, o procurador-geral da República designou cinco procuradores da República para integrar o Gaeco do Ministério Público Federal no Paraná pelos próximos dois anos. O grupo trabalhará em conjunto com a força-tarefa da Lava Jato no Paraná. Além do Paraná, existem Gaecos federais na Paraíba e em Minas Gerais. Em dezembro, Aras deu um sopro de vida para a Lava Jato e prorrogou as forças-tarefas de Curitiba e do Rio de Janeiro. No Rio, a força-tarefa seria encerrada em dezembro de 2020, mas foi prorrogada até 31 de janeiro de 2021. Em Curitiba, foi prorrogada até 1º de outubro de 2021.
Coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol deixa a força-tarefa
No dia 1º de setembro, o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba Deltan Dallagnol anunciou de surpresa que deixaria o cargo. Dallagnol era coordenador do grupo desde 2014, quando a força-tarefa foi instaurada. Sua saída representou um forte abalo à operação. Em um vídeo, o ex-coordenador explicou que deixava o comando da força-tarefa por questões familiares. “Há algumas poucas semanas, eu e minha esposa identificamos alguns sinais que nos preocuparam em nossa bebezinha de um ano e dez meses de idade”, disse. “Identificamos que ela passou a ter uma série de sinais de regressão em seu desenvolvimento. Por exemplo, parou de falar algumas palavras que já falava, parou de olhar para a gente quanto chamávamos e parou de olhar nos nossos olhos”, explicou. “No nosso caso, os médicos já levantaram suspeitas, e a nossa filha está passando por uma série de exames para um diagnóstico que ainda vai demorar nove semanas.”
“Se você apoia a Lava Jato, continue a apoiar. A operação vai continuar fazendo seu trabalho, mas decisões que estão sendo tomadas e serão tomadas em Brasília afetarão o seu trabalho. A força-tarefa tem muito para fazer e ela precisa do seu suporte”, disse Dallagnol. A fala foi uma referência às ofensivas de Aras à Lava Jato. Na época, o futuro da Lava Jato estava nas mãos do procurador-geral da República, porque a PGR decidiria até 10 de setembro se os trabalhos da força-tarefa de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro seriam prorrogados ou não.
Apesar da situação familiar que fez com que Dallagnol se afastasse, o procurador já estava em maus lençóis desde 2019, quando o The Intercept revelou supostas trocas de mensagens entre ele e o juiz Sergio Moro. Os diálogos colocaram em cheque a imparcialidade da operação e mostraram desrespeito à equidistância entre as partes envolvidas: o juiz, o réu e autor da ação. Como as supostas mensagens mostram uma comunicação constante entre o juiz Moro e o autor dos processos, neste caso, o Ministério Público representado pelo procurador Deltan Dallagnol, os réus das ações podem ter sido prejudicados pela relação desigual entre as partes.
Em setembro, o procurador tinha três processos contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Em um deles, o CNMP investigava se houve abuso de poder por parte de Dallagnol no caso da apresentação de PowerPoint contra o ex-presidente Lula. Um outro processo dizia respeito a publicações do ex-coordenador sobre o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que na época concorria à Presidência do Senado. O último processo foi movido pela também senadora Kátia Abreu (PP-TO). A senadora protocolou um pedido de remoção de Deltan do comando da operação em Curitiba. Como justificativa, Kátia cita o acordo feito entre a força-tarefa e a Petrobras para que R$ 2,5 bilhões de reais recuperados pela operação fossem destinados a uma fundo gerido pelos próprios procuradores. O dinheiro é proveniente de um acordo para encerrar as investigações contra a Petrobras nos Estados Unidos. A empresa teve que pagar uma multa de US$ 682 milhões (cerca de R$ 2,66 milhões) ao governo americano, mas 80% do valor ficou no Brasil para pagar acionistas minoritários da Petrobrás e para investir em “projetos de combate à corrupção”. A criação do fundo foi proibida pelo STF e o dinheiro obtido foi destinado à Educação e ao combate de queimadas e desmatamento na Amazônia.
Lava Jato de SP encerra força-tarefa após saída de procuradores do grupo
Um dia após a saída de Dallagnol, sete procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo comunicaram sua saída ao procurador-geral da República. Segundo o ofício, a solicitação foi feita devido a “incompatibilidades insolúveis com a atuação da procuradora natural dos feitos da referida força-tarefa, Dra. Viviane de Oliveira Martinez”. Os procuradores acusaram Viviane de colocar entraves para o aprofundamento das operações e afirmaram que a promotora não comparecia às reuniões do grupo. Em 29 de setembro, os procuradores que integravam o núcleo da operação na PGR saíram, marcando o fim da força-tarefa de São Paulo. Apenas Viviane, pivô da demissão coletiva, permanece cuidando dos casos da Lava Jato paulista.
Bolsonaro diz que ‘acabou’ com a Lava Jato
Em 7 de outubro, o presidente Bolsonaro causou polêmica ao afirmar que “acabou” com a Lava Jato. “É um orgulho, é uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”, declarou o presidente. Horas depois, o ex-ministro Sergio Moro usou suas redes sociais para criticar as “tentativas de acabar com a Lava Jato”. O ex-juiz não citou a fala de Bolsonaro em sua postagem. “As tentativas de acabar com a Lava Jato representam a volta da corrupção. É o triunfo da velha política e dos esquemas que destroem o Brasil e fragilizam a economia e a democracia. Esse filme é conhecido. Valerá a pena se transformar em uma criatura do pântano pelo poder?”, escreveu. Em agosto, o filho mais velho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), defendeu a atuação de Aras em uma entrevista ao jornal O Globo. Dias antes da fala de Flávio, Aras havia afirmado que estava na hora de “corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure”. Em seguida, o senador afirmou que “Aras tem feito um trabalho de fazer com que a lei valha para todos”. “Embora não ache que a Lava Jato seja esse corpo homogêneo, considero que pontualmente algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro”, afirmou Flávio.
Fonte: Jovem Pan