Representatividade. Uma palavra muito falada nos dias de hoje, mas qual é o seu real peso? Sentir que você é representado por alguém que possui certa influência e força midiática é, sim, importante, mas para algumas pessoas isso foi fundamental para que elas conseguissem assumir para o mundo quem realmente são. O editor de vídeos Lucas Alves, de 26 anos, conseguiu falar abertamente sobre ser gay aos 18 anos. Já o estudante universitário Wesley Domeneguetti, de 23 anos, tocou no assunto com a família há cerca de seis meses e ainda se vê perdido em um misto de sentimentos. A professora de canto Fernanda Assunção, 25 anos, percebeu aos 20 anos que não era heterossexual e, hoje, ela se define como pansexual. Já Alex dos Santos, estudante de psicologia, notou entre os seus 14 e 15 anos que é uma pessoa não-binária. A história de todos eles tem um ponto em comum: a representatividade de um artista. Lucas, Wesley, Fernanda e Alex se assumiram e se aceitaram motivados pela arte e história de Lady Gaga, Gloria Groove e Pabllo Vittar.
Crescer em uma família católica foi um desafio para Lucas, que começou a se descobrir na adolescência. “Achava que não era certo eu ser gay, então conforme eu ia me percebendo, eu também ia me retraindo. Era um jovem calado e muito fechado.” Nessa época, Lady Gaga se tornava um fenômeno mundial e o editor de vídeos, que logo virou fã, passou a acompanhar os passos da cantora. Em 2012, a artista veio pela primeira vez ao Brasil e Lucas foi ao show com sua melhor amiga, única pessoa com quem falava sobre ser gay. “Teve um momento do show, antes de cantar Bad Kids, que ela fez um discurso perguntando para alguns bailarinos dela se eles se importavam com o que as pessoas falavam sobre eles e a resposta foi ‘não’. Depois, ela disse que queria que todo mundo que estivesse naquele show saísse com coragem para não se importar com a opinião dos outros e para assumir sua individualidade. Foi um momento muito importante para mim, fiquei muito emocionado. Minha amiga percebeu, ela me abraçou e aquele virou um momento nosso. Depois do show, a gente combinou que a nossa primeira tatuagem seria uma frase da música Bad Kids que diz: ‘Don’t be insecure if your heart is pure…’ (Não seja inseguro se seu coração for puro, em português). E essa foi minha primeira tatuagem.” Um dia depois do show, Lucas deu seu primeiro beijo em um menino.
Antes se assumir de fato, o editor de vídeos chegou a falar com sua mãe sobre o assunto quando tinha 15 anos, motivado por um filme, mas ouviu dela que aquela era uma fase e que não era possível ele ser gay, pois só tinham “homens de verdade” na família deles. O pai de Lucas só descobriu anos depois, quando flagrou o filho dormindo com o namorado, e não o aceitou. Como já tinha problemas com bebidas, o pai passou a beber ainda mais e chegava em casa sempre revoltado. A avó de Lucas não entendia o que estava acontecendo e chamou o neto para conversar. Ele contou que seu pai estava reagindo dessa forma por ele ser gay e sua avó disse que já tinha percebido isso e que o amaria da mesma forma. Depois desse dia, o pai de Lucas sumiu. “Quando minha avó ficou sabendo, chutei o pau da barraca e comecei a postar nas redes sociais. Meus parentes fizeram comentários e minha avó me defendeu dizendo que ela tinha mais de 30 netos e eu era o único que ajudava a pagar o convênio dela. Eu me formei, sempre ajudei em casa e quando minha avó falou essas coisas tive a sensação de dever cumprido. Com o tempo, minha mãe percebeu que eu sempre fui um homem de verdade e nunca faltei com meu papel.”
Assim como Lucas, que é grato a Lady Gaga por todo esse movimento que aconteceu em sua vida, Wesley também se assumiu inspirado na cantora. O estudante universitário considera a música Born This Way um hino da comunidade LGBTQIA+ e a canção foi fundamental para ele entender entre os 16 e 17 anos que não queria passar uma vida se escondendo. “Quando ouvi a música, o que passou pela minha cabeça é que eu precisava construir minha liberdade, precisava ser uma pessoa forte e ser alguém que também pudesse ser uma inspiração para as outras pessoas. Eu lembro que me questionei: como é que você luta e tem orgulho de uma comunidade, mas sente medo duas suas emoções e impulsos? Foi pensando nisso que decidi me assumi.” Com a decisão tomada, Wesley ainda precisou de uns anos para criar coragem e conseguir expor o que sentia para a família. “Leva tempo para você construir confiança. Eu já sabia o que eu queria, mas eu fui aprendendo a me aceitar ao longo dos anos. Eu não queria viver uma vida a base do medo, da vergonha, da insegurança. Eu mereço ser feliz, assim como toda a comunidade LGBTQIA+.” Em dezembro do ano passado, ele conseguiu reunir sua família e falar do assunto.
A avó de Wesley, com quem mora atualmente, chorou bastante ao saber da sua orientação sexual. O tio ficou sem expressão e seu pai quis partir para a agressão. “Até hoje isso não foge da minha mente, acho que vai me seguir até o túmulo. É algo que fica gravado na mente e no coração”, comentou. Lady Gaga mais uma vez se tornou um pilar para o universitário, pois a vida da artista foi cheia de altos e baixos e, para ele, se ela conseguiu superar as dificuldades, ele também consegue. “Desde que eu me assumi, não estou tendo um contato muito legal com meu pai, mas eu sabia que isso aconteceria. Apesar disso, nos últimos meses, eu senti liberdade como nunca tinha sentido. Eu me visto como eu quero e deixo minha bandeira LGBTQIA+ pendurada na janela do meu quarto, antes ela ficava escondida. Ao mesmo tempo que está sendo bom, também está sendo estranho sentir algumas consequências desse meu ato de liberdade.”
Gloria Groove ajudou Fernanda a se impor enquanto pansexual dentro da igreja
A ideia de que poderia ser pansexual só começou a passar pela cabeça de Fernanda quando ela se apaixonou por uma menina que conheceu na igreja. “Não sou daquele tipo de pessoa que sabia desde pequena. Eu namorei vários meninos até que eu me interessei por uma por uma garota. Fomos conversando e me apaixonei perdidamente antes mesmo de beijar a menina. Não sabia o que estava acontecendo porque somos criados para ser hétero. Um dia fomos a uma balada e senti muito ciúmes dela, ali notei que não era um ciúme de amiga e que algo estava acontecendo.” Depois desse episódio, elas se beijaram e engataram em um namoro secreto que durou sete meses. “Minha mãe tinha morrido no ano anterior, eu tinha passado por uma turbulência com a minha família, o luto que eu passei não foi apoiado, então sentia que não devia satisfação para ninguém.” No seu segundo relacionamento com uma mulher, Fernanda sentiu a necessidade de expor o namoro para a família. “Não cheguei em casa falando que era bissexual ou pansexual porque ninguém se assume hétero, apenas levei minha namorada em casa e apresentei ela para a minha família. Eles ficaram de queixo caído.”
Após o susto, boa parte da família manteve uma boa relação com a professora de canto, mas ela não se livrou da homofobia fora de casa. “O que f*deu meu psicológico foram as pessoas da igreja, porque eu sou católica fervorosa e participava de vários movimentos e pastorais. Essa minha segunda namorada era da igreja, ela participava dos grupos comigo e era óbvio que eu era apaixonada por ela. Nesse momento, já fui rotulada como ‘sapatão’ e começaram a me cortar de coisas e a me tratar diferente. Em casa eu chorava, mas lá eu levantava a cabeça.” Fernanda chegou a se afastar da igreja, mas com o tempo percebeu que aquelas pessoas não podiam impedi-la de praticar sua fé. “Nessa época, desenvolvi uma ansiedade que eu não tinha e tive depressão. Não queria sair de casa e nem fazer as coisas. Sentia que eu era irrelevante porque achava que as pessoas gostavam de mim, mas quando me assumi eu descobri que elas gostavam das coisas que eu sei fazer.”
Foi justamente nesse período de descobertas que Gloria Groove entrou na vida de Fernanda. “Conheci a Gloria pouco antes de me assumir através de um amigo que é gay. Ele mostrou uma música chamada Império, que até hoje é a minha favorita. A música é um recado que diz vão ter que me engolir e ver meu império crescer. Quando o lance da igreja estourou, eu voltei nessa música e pensei: ‘É real, quem manda na igreja é o Papa, só ele pode me expulsar’. Essa música virou meu hino, eu lembro que escutava de manhã, de tarde e de noite, pois me motivava.” Além da música de Gloria ajudar a professora de canto a se impor enquanto pansexual dentro da igreja, a artista também ajudou Fernanda a bater de frente com os estereótipos. “A Gloria mostra que é normal como a gente. Ela é perfeita e, ao mesmo tempo, não é um padrãozinho. Se eu tivesse que definir ela em uma palavra seria ‘poder’. Ela ganhou público e espaço em um país que é conhecido por ser um dos que mais mata pessoas da comunidade LGBTQIA+. Ela tem poder de mídia, tem poder de influência. Quando ela defende a comunidade, a gente sente que faz parte desse império que ela está construindo.”
Pabllo Vittar inspirou Alex dos Santos a se assumir como uma pessoa não-binária
Também foi através de uma cantora que Alex conseguiu se aceitar e entender que se identifica como uma pessoa não-binária. “Vivi a minha infância toda ouvindo pessoas dizer que ser gay era errado e, naquela época, eu já sabia que não era heterossexual, mas queria muito tirar isso da minha cabeça. Eu não me aceitava e, por isso, tentava ser uma pessoa totalmente diferente do que eu era, eu usava roupas que não gostava, cortava o cabelo de um jeito que eu odiava e evitava ao máximo tocar no assunto da sexualidade, pois me dava uma sensação ruim. Quando a Pabllo Vittar lançou a música Indestrutível eu passei cerca de uma semana chorando enquanto ouvia e assistia ao clipe, isso porque eu lembrava de coisas que passei e como fui tratado por ser ‘meio afeminado’. Nesse tempo, eu juntei forças e, enquanto ouvia Indestrutível no fone de ouvido, tomei coragem para falar para a minha mãe que gostava de um garoto da minha sala. Por sorte, foi tudo muito natural, minha mãe sempre me apoiou e foi incrível quando eu me assumi. Hoje, eu sou verdadeiramente eu, aceitei todos os meus lados por causa da Pabllo. Ela me ajudou a me entender e me conhecer.” Alex deixou seus medos de lado e, hoje, aos 18 anos, se sente livre. “Passei a me montar em algumas situações aceitando as diversas possibilidades de desfrutar tanto do gênero masculino quanto do feminino”, concluiu.