Por que a Rússia acena ao governo Talibã mesmo após passado marcado por guerra no Afeganistão

Putin faz aceno ao Afeganistão após saída dos Estados Unidos da região

Com ares de despreparo, a saída dos Estados Unidos do Afeganistão foi o pontapé inicial para a retirada permanente de uma série de embaixadas estrangeiras do país asiático. Entre elas estão Alemanha, Reino Unido, Itália, França, Holanda e Canadá. Na contramão de nações ocidentais, o enviado especial da Rússia ao Afeganistão, Zamir Kabulov, descartou a retirada de funcionários da embaixada russa em Cabul e disse que o país recebeu garantias talibãs da segurança do espaço diplomático. Até o momento, o país de Vladmir Putin não reconheceu o governo da nação tomada de assalto pelos insurgentes após um avanço de cerca de 10 dias, mas diplomatas já se posicionaram a favor do estreitamento de laços com “qualquer poder” que comande o Afeganistão e contra o bloqueio de reservas financeiras internacionais que possam prejudicar o fornecimento de recursos para a área. O interesse na boa relação com os talibãs vai além de qualquer rivalidade histórica com os Estados Unidos, que ocupou a região por mais de 20 anos. O professor de relações internacionais da Universidade Anhembi Morumbi Jorge Mortean explica que essa aproximação ocorre por uma série de fatores que vão do interesse geográfico à oportunidade de “fazer diferente” do derramamento de sangue soviético registrado na década de 1980.

Moscou e Cabul: um passado marcado por intrigas

Para pensar no atual aceno russo aos talibãs é necessário lembrar do papel fundamental que as forças soviéticas tiveram na criação do grupo insurgente. Moscou e Cabul iniciaram uma relação conturbada ainda na década de 1970, quando em meio à Guerra Fria uma república de orientação socialista foi instaurada no país da Ásia Central. Na ocasião, a sustentação política de um estado laico que desconsiderava a pluralidade étnica e de fé do povo afegão foi frágil, o que abriu espaço para que os Estados Unidos financiassem a criação de um grupo radical e fundamentalista disposto a lutar contra as tropas soviéticas, conseguindo retirá-las da área no ano de 1989. “Os soviéticos retiram suas tropas e os talibãs se instalam dentro do território afegão com uma certa legitimidade no interior do país. O governo soviético acaba ruindo entre 1991 e 1992 e há um desgaste tremendo em termos de imagem, porque os afegãos começam a ver os soviéticos como os reais invasores”, explica o docente. Com feridas abertas e deixada de lado, a Rússia passa a assistir ao desenrolar dos anos seguintes à sua retirada.

O que ocorre a partir da tomada total de poder talibã no Afeganistão no ano de 1996 é popular na história mundial: o país abre portas para a fundação de grupos terroristas como a Al Qaeda e ganha as manchetes do mundo após não entregar o mentor do maior atentado terrorista já registrado nos Estados Unidos. Os EUA, que a princípio patrocinaram a criação do Talibã, instauram uma guerra ao terror e voltam ao país para consertar erros do passado, enquanto a Rússia, tentando retomar o fôlego após a queda do muro de Berlim, continua a observar à distância. “O que interessa para a Rússia é que pelo menos as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central que fazem fronteira com o Afeganistão estejam sob a sua órbita de influência, o que de fato ainda ocorre por motivos de dependência, logística econômica, saída ao mar livre”, explica Mortean. O que resta saber é quanto o trauma da experiência soviética no país influi na região 40 anos depois com uma nova Rússia, mais aberta ao capitalismo e se mostrando como potência econômica, e um novo Talibã, que mesmo sob um governo ditatorial ensaia boas relações com o mundo para sobreviver.


Fonte: Jovem Pan

Comentários