Sanções impostas à Rússia já surtem efeito no comércio local e afetam os moradores

Russos fazem fila em caixas eletrônicos para sacar moeda estrangeira

As coisas não são mais as mesmas na Rússia desde o dia 24 de fevereiro, data na qual o autocrata Vladimir Putin autorizou a invasão da Ucrânia, no ataque mais agressivo e contundente de um país da Europa a outro membro do continente europeu desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O clima passou a ser de tensão e preocupação, principalmente no que diz respeito à economia da nação. As sanções impostas pelo Ocidente em retaliação ao ataque ao território ucraniano tem prejudicado comerciantes russos que não sabem o que vão fazer, pois não tem a chance de repor os seus produtos pelo fato de a exportação de materiais estar proibida e o rublo – moeda russa – ter desvalorizado. “O trabalho está parado. Tenho um pequeno negócio e na primeira semana da guerra todos os produtos acabaram”, informou um morador da Rússia que não quer ser identificado. “Não é possível repor o estoque porque são produtos da Europa e dos Estados Unidos”, explica, dando a dimensão de que toda a logística está bloqueada.

O mesmo problema acontece com a mãe de Marina Kosinova, que tem uma empresa que importa equipamentos de medição de nível de barulho e vibração. “A maioria dos equipamentos são importados dos Estados Unidos e da Europa e, neste momento, não tem como continuar porque a logística foi interrompida”, resume. Esse não é o único problema observado. Kosinova também afirma que o câmbio é outra complicação. “Apesar deles [governo russo] dizerem que está congelado, ninguém consegue comprar e vender dólar a não ser no mercado ilegal”, conta a russa que atualmente reside no Brasil. A brasileira e estudante de medicina Barbara Parente também sentiu os efeitos das sanções. “A principal dificuldade é receber dinheiro, porque os bancos foram afetados e fechados. Não estamos conseguindo receber”, disse à reportagem da Jovem Pan. A alternativa, então, tem sido utilizar o Binance.

O aumento do preço do dólar e do euro é outro cenário que se tornou constante na Rússia. “Todo dia o valor muda e as regras também têm mudado”, relata Bárbara ao contar que agora há um limite para troca e saque. O estudante de medicina brasileiro Rodrigo Carvalho fala sobre a mesma situação. De acordo com o discente, houve um aumento nos preços das mercadorias. Ele pondera, porém, que isso será mais prejudicial para a população local que recebe em rublo. “A gente recebe em outra moeda, o rublo desvalorizou muito fortemente”, explica. O russo que pediu anonimato à Jovem Pan lamenta a situação “muito triste” e que diz que está “vendo a Rússia destruir a sua economia e deixar o futuro bem incerto”. Ele relata que desde o dia da invasão, não tem conseguido dormir por causa da tensão. “Estou farto de sentir medo, insegurança e ansiedade”, desabafa. Rodrigo e Bárbara vão além e contam que constantemente são acordados por caças que sobrevoam o local em que moram. “A cidade do lado já teve bombardeio”, conta Bárbara se referindo a Belgorod. “Um míssil foi interceptado aqui perto. Fico em estado de alerta e observando o que está acontecendo ao meu redor”, relembra Rodrigo.

Marina Kosinova está a mais de 14 mil quilômetros de distância do seu país natal e está preocupada com sua família. “Eu não vejo como minha mãe vai continuar trabalhando na empresa dela e como vai funcionar”, relata. Apesar da situação, os pais de Kasinova não querem deixar a Rússia. “Minha família é muito grande. Minha avó tem Alzheimer e não possui passaporte, e minha mãe diz que não está pronta”, diz. “Meu pai e a esposa também dizem que não vão sair porque não vão morrer de fome”, segue. Na avaliação da adolescente, os mais prejudicados serão os moradores de Moscou e São Petersburgo, pois quem mora nas cidades pequenas nunca se importou com dinheiro e sobrevivem da agricultura. “Para essas pessoas nada vai mudar, agora para quem está acostumada com outro ritmo de vida, vai mudar muita coisa”.

Rodrigo já tem sentido essa mudança. As comodidades de antigamente, admite, já não existem mais. “Não é nada que afete a vida, mas esses dias saí para comprar McDonalds e ir a algumas lojas de roupas que costumava frequentar e que agora não tem mais”, diz. Apesar da saída de algumas lojas e empresas do país, o estudante afirma que os mercados estão abastecidos e não, ao menos por ora, limite para compra. O mesmo não ocorre quando o assunto é obtenção de remédios. Marina conta que uma amiga dela que está com câncer vai precisar de um remédio específico para continuar o tratamento – nos grupos de conversa, porém, já há relatos de escassez deste medicamento. “Ela já viu nas conversas que os remédios estão faltando. Ela tentou procurar mas não consegui achar”, relata. Marina também informa que nos grupos do Facebook que ela participa, as pessoas estão dizendo que “algumas farmácias estão segurando os remédios até entender como vai funcionar a logística”. A área da educação também foi afetada pelas sanções. Rodrigo diz que boa parte dos alunos que estudavam com ele foram embora e voltaram para os seus países de origem desde o início do conflito, restando três alunos em sua sala de aula. “Como o número de alunos reduziu, a faculdade mudou as aulas de ensino presencial para online”, conta.

Apesar de alguns aplicativos de comunicação estarem impossibilitados de serem usados da Rússia, como o Facebook e Twitter, eles ainda conseguem manter contato com os seus familiares tranquilamente por meio do Whatsapp, Instagram e Telegram. A busca por informação também é realizada por meio desses aplicativos, já que a mídia russa tem filtrado os conteúdos sobre a guerra, chamada pelos veículos de “operação militar”. “A propaganda oficial segue funcionando efetivamente”, conta o russo. “Na TV os propagandistas falam que está tudo certo e que a população vai sofrer um pouco mas que em breve o governo vai resolver”, conta Marina.

O russo ouvido pela reportagem quer deixar o país, mas diz que a missão é quase impossível. Caso consiga, ele pretende ir para a Turquia ou Geórgia. Mesmo assim, seu pai e seu irmão não poderão acompanhá-lo, porque trabalham na polícia e não falam língua estrangeira. Ele relata que os familiares “estão seguros enquanto não houver combate dentro do território russo”. Bárbara, por sua vez, não pensa em deixar a Rússia neste momento – sua prioridade é concluir a faculdade. “Penso em continuar até agosto, quando acabar minha faculdade”, conta. Rodrigo também não tem essa pretensão. Enquanto não houver um ataque direto ao território ele, ele não pensa em ir embora. “Agora, se as coisas piorarem, eu sairia daqui e voltaria para o meu país. Mas só se acontecer algo em escala maior”, finaliza


Fonte: Jovem Pan

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