Após atritos envolvendo a Covid-19, relação entre Brasil e China é incerta para 2021

Lideranças do governo Bolsonaro atacaram o país liderado por Xi Jinping.

Em 2020, a relação do Brasil com outros países foi abalada. Dentre as nações que tiveram seus laços diplomáticos e comerciais com o Brasil afetados está a China. Um dos principais parceiros do governo brasileiro, o país asiático viveu um ano de constantes atritos com autoridades brasileiras, incluindo figuras do primeiro escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro. Um dos principais pontos que culminou no atrito entre os países foi a pandemia da Covid-19. Em março, o deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), culpou a China pela pandemia da doença, dando a entender que o país asiático agiu de forma negligente e escondeu informações sobre o vírus. Outro membro do governo que se posicionou da mesma forma publicamente foi o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, que indicou que a China sairia “fortalecida” da pandemia. Na publicação, ele ainda ironizou o sotaque do povo chinês ao falar o português. Em ambos os casos, o governo chinês repreendeu as falas: após as declarações, Eduardo foi respondido pela embaixada chinesa, que disse que o deputado contraiu um “vírus mental”. À época do caso de Weintraub, a embaixada chinesa afirmou que a publicação tinha cunho racista e causava influências negativas nas relações bilaterais entre os dois países.

Para Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, a pandemia foi o “maior motivador” da piora na relação entre os países. Ele também cita a dúvida criada em torno da eficácia da CoronaVac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, como um ponto que influenciou negativamente na relação entre Brasil e China. “A questão da Covid-19 sem dúvida foi o maior motivador desse estremecimento das relações. Acho que o pior de tudo foi insinuar que a China tenha alguma coisa a ver com a causa da pandemia, colocar em dúvida a efetividade da vacina produzida pelo Instituto Butantan por ela ter origem em um laboratório chinês. Tudo isso contaminou muito o debate entre os dois países. Marcou um desgaste muito forte na relação entre ambos”, explica Leandro.

Eduardo Bolsonaro e a crise do 5G

Além da Covid-19, outra polêmica que marcou a relação entre o Brasil e a China em 2020 foi a rede de tecnologia 5g dos chineses. Em seu perfil no Twitter, Eduardo Bolsonaro acusou a China de espionagem através de suas tecnologias. Na mensagem, que foi apagada do perfil, Eduardo dá a entender que o Brasil seguirá os passos de Donald Trump para tentar frear o avanço de empresas chinesas no mercado global de 5G. “O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Newtork (Rede Limpa), lançada pelo governo Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”, escreveu o deputado, que continuou, explicando que a ideia de Trump e de Bolsonaro é “proteger seus participantes de invasões e violações às informações particulares de cidadãos e empresas”. “Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China”, concluiu.

Reagindo às declarações do parlamentar, a embaixada chinesa emitiu uma nota, dizendo que Eduardo abalou as relações entre os dois países com declarações “infames”. “Na contracorrente da opinião pública brasileira, o deputado Eduardo Bolsonaro e algumas personalidades têm produzido uma série de declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira e do mútuo benefício que ela propicia, solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil”, diz o comunicado, que continua: “Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China e a amizade sino-brasileira, e evitar ir longe demais no caminho equivocado, tendo em vista os interesses de ambos os povos e a tendência geral da parceria bilateral. Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil”, concluiu a embaixada.

Impacto da eleição de Joe Biden

O candidato republicano apoiado por Jair Bolsonaro, Donald Trump foi derrotado por Joe Biden na corrida pela presidência dos Estados Unidos. Com um discurso similar ao de membros do governo Bolsonaro, Trump também atacou a China e culpou o país asiático pela pandemia de Covid-19. Para Consentino, a derrota do republicano tende a mudar o discurso de Bolsonaro, que reconheceu a vitória de Joe Biden depois que o colégio eleitoral americano oficializou o resultado da eleição presidencial. “ A derrota do Trump fez com que o presidente brasileiro amenizasse o tom. Mas não totalmente, não tanto quanto se esperava.  Ele se alinhou não apenas aos Estados Unidos, mas ao presidente Trump. Ele perdeu as eleições, e Bolsonaro ficou a ver navios. Isso o aproximaria da China e trouxe um tom mais ameno nas relações. Mas isso tem data para ser expirada”, disse Consentino, que concluiu dizendo quais são suas expectativas para 2021.

“Por um lado, 2021 prenuncia uma nova etapa de relacionamento entre Brasil e China por conta de uma presidência distinta nos Estados Unidos, e Bolsonaro vai ter que buscar novos aliados  […] e a China pode ser um candidato bastante interessante”, diz Leandro, explicando que, sem Trump no cenário internacional, o governo de Xi Jinping poderá ser uma alternativa para o governo Bolsonaro. Entretanto, o cientista pondera, dizendo que Biden é “um construtor de pontes”, o que poderá facilitar uma eventual aliança com o governo brasileiro. “Ele (Biden) não vai querer perder o Brasil para a órbita chinesa. Então, acho que vai ter essa questão de que o Biden estenda a mão para o Bolsonaro para evitar jogar ele no colo dos chineses”, elucida o cientista político, que conclui: “Não tem como prenunciar o que vai ser 2021, sobretudo por saber que 2021 será um ano muito complicado para o Brasil e que, de alguma forma, vai demandar uma liderança do presidente que, talvez, ele não tenha exercido até o presente momento”.


Fonte: Jovem Pan

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