De tempos em tempos, o debate sobre como o futebol está ligado às questões sociais e políticas vira tema em programas esportivos e nas rodas de conversa espalhadas pelo Brasil. Alguns entendem que o esporte mais popular do mundo não deveria ser “politizado”, limitando-o a discussões sobre os aspectos táticos, técnicos e outros temas que giram em torno do que acontece dentro das quatro linhas. A Copa América e a Eurocopa 2021, no entanto, estão comprovando que é impossível ignorar a participação da sociedade durante as competições. Mesmo com os dois campeonatos longe do fim, as atuais edições dos torneios sul-americano e europeu já se mostram históricas por abordar assuntos importantes, como o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e o combate à homofobia e ao racismo.
Pandemia
Mesmo antes de a bola rolar, o debate sobre como Conmebol, Uefa, federações e os governos dos países envolvidos se comportariam era abordado. Isso porque a Copa América e a Eurocopa seriam os primeiros grandes eventos continentais de seleções realizados durante a pandemia da Covid-19. Combinadas para acontecer simultaneamente em 2020, ambas foram adiadas em um ano por causa da doença. Neste sentido, devido ao lento ritmo na vacinação contra o novo coronavírus no continente, a competição sul-americana foi a que mais encontrou imprevistos. Marcada para ser sediada conjuntamente por Colômbia e Argentina, a Copa América perdeu um anfitrião após a desistência de autoridades colombianas, na metade de maio, que alegaram não ter condições de receber o evento devido a uma série de protestos sociais — a população ficou revoltada com uma proposta de reforma tributária apresentada pelo presidente Iván Duque. Cerca de dez dias depois, foi a vez do mandatário argentino Alberto Fernández desistir devido ao aumento de infectados no país. Desesperada com a situação, a Conmebol conseguiu um acordo de última hora com a CBF e o governo federal para organizar o torneio em território brasileiro.
A mudança repentina e a escolha do Brasil como sede causaram revolta de boa parte da população brasileira, que sofre com o alto número de casos e mortes provocados pelo coronavírus, além da falta de imunizantes. Nas redes sociais, Conmebol, CBF e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foram extremamente criticados. Entre as seleções participantes, algumas personalidades como os atletas De Arrascaeta e Matías Viña, do Uruguai, e o treinador Lionel Scaloni, da Argentina, reprovaram a decisão. Tite, comandante do Brasil, também se manifestou, dizendo que a competição foi organizada de maneira “atabalhoada”. Ainda assim, após rumores de que os personagens se reuniriam a favor de um boicote — que não se concretizou —, a competição teve o seu pontapé inicial. Até o momento, de acordo com o Ministério da Saúde, 140 casos de Covid-19 ligados ao campeonato foram registrados.
Realizada em 11 sedes espalhadas pelo Velho Continente, a Eurocopa também entrou no centro de uma polêmica após decisões de Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, o único a autorizar a ocupação de 100% dos lugares em um estádio durante o torneio. Mesmo sendo o segundo país do mundo com a maior taxa de óbitos por 100 mil habitantes (mais de 300), só perdendo para o Peru, o país recebeu cerca de 67 mil espectadores na Arena Puskás nos três jogos do Grupo F. A imunização no país, é verdade, está acelerada, com mais de 50% dos habitantes já vacinados com pelo menos a primeira dose. Ainda assim, as imagens do estádio húngaro cheio de torcedores foram bem vistas por parte considerável da imprensa europeia.
Racismo
Outros temas importantes estão sendo abordados durante a Eurocopa. Logo na primeira rodada, a Uefa precisou abrir investigação após a Federação da Macedônia do Norte denunciar um caso de racismo cometido por Marko Arnautovic, da Áustria, em partida válida pelo Grupo C. Ao comemorar o terceiro gol da seleção austríaca, o atacante de origem sérvia proferiu declarações nacionalistas e até fez gestos que remetem à supremacia branca (veja na imagem acima). Os sinais foram direcionados ao lateral macedônio Alioski, que tem raízes albanesas. O Comitê de Ética Disciplinar da Uefa, no entanto, considerou que o atleta não foi racista, aplicando uma punição de apenas um duelo por “ofensa a outro jogador”.
Protestos contra o preconceito racial também marcaram esta edição da Euro. Como tornou-se comum após a morte de George Floyd, homem negro assassinado no ano passado por um policial branco nos Estados Unidos, atletas de várias seleções, como a inglesa, se ajoelharam antes do apito inicial, em solidariedade e apoio às vítimas de racismo. Outras equipes, no entanto, preferiram não aderir ao movimento. A Croácia, por exemplo, foi uma das seleções que se recusaram a endossar a campanha. Em comunicado oficial, a Federação Croata relatou que os jogadores simplesmente optaram por esse caminho porque “ajoelhar-se no gramado não guarda quaisquer laços simbólicos com a luta contra o racismo e a discriminação no contexto da cultura e tradição croatas”. Em alguns jogos, a manifestação também foi vaiada por parte do público.
Homofobia
Na última semana, a pauta social da vez na Eurocopa foi a discriminação contra os homossexuais. Isso porque a Uefa rejeitou o pedido do presidente da Câmara de Munique, Dieter Reiter, de iluminar a Allianz Arena com as cores do arco-íris, que representam o movimento LGBTQIA+, durante a partida entre Alemanha e Hungria. A solicitação tinha como objetivo protestar contra uma lei aprovada pelo governo húngaro, que restringe os direitos de informação dos jovens em relação à homossexualidade e à transexualidade. De acordo com a entidade, a proibição deu-se porque, “de acordo com seus estatutos, a Uefa é uma organização politicamente e religiosamente neutra”. Ou seja, não poderia acatar uma solicitação com motivos políticos.
Apesar de não conseguir iluminar o estádio durante a partida, a Alemanha deu um show na luta contra a homofobia. Além de distribuir aos torcedores bandeiras com as cores do arco-íris, o goleiro Neuer voltou a utilizar a sua faixa de capitão colorida, reforçando o seu apoio à causa. Além disso, após o gol de empate dos alemães, que deu a classificação ao time de Joachim Low e eliminou a Hungria, o meio-campista Leon Goretkza — que tem histórico de ativismo contra o movimento neonazista alemão — comemorou em frente aos torcedores húngaros, fazendo um gesto de coração com as mãos. Vale lembrar que ultras da Hungria estão sendo investigados pela Uefa por exibir um cartaz com uma mensagem “anti-LGBT” na partida de estreia, diante de Portugal.
Fonte: Jovem Pan