Covid-19: Como a ciência explica a criação de uma vacina em dez meses

Vacina, distanciamento social, imunidade de rebanho: questões ensinaram pesquisadores e médicos

A rapidez com que a vacina contra a Covid-19 foi estudada e produzida surpreende e espanta o mundo. O prazo para estudos e desenvolvimento de potenciais imunizantes contra o novo coronavírus, que no início da pandemia foi estipulado em pelo menos dois anos, foi concluído em pouco mais de 10 meses em alguns laboratórios. E isso incluí o ciclo completo – desde as fases de pesquisa até o registro, ainda que para uso emergencial, nas agências reguladoras internacionais. A primeira a concluir o feito foi o laboratório americano Pfizer, em parceira com a alemã BioNTech. A parceria foi anunciada em meados de março de 2020 e a primeira autorização para uso emergencial aconteceu no Reino Unido pelo Medicines and Healthcare products Regulatory Agency (MHRA, órgão equivalente à Anvisa), no dia 2 de dezembro. Por lá, a vacinação começou no dia 8.

Outras questões como o isolamento social e a imunidade de rebanho foram assuntos que dividiram opiniões diante deste momento único. E, com certeza, ficarão como legados para emergências sanitárias futuras.  “Algumas coisas, tipo a velocidade com que a ciência consegue se reorganizar e concentrar esforços para determinadas ações, esse tipo de mobilização vai ficar como realidade daqui pra frente. Além da possibilidade de usar todo o conhecimento científico e todo arsenal de equipamentos, desde a parte genética até prevenção, para conhecer uma doença nova”, é o que avalia Carlos Carvalho, diretor da divisão de Pneumologia do InCor e membro do Centro de Contingência da Covid-19 no Estado de São Paulo.

“A próxima pandemia pode não ser de um vírus respiratório, então teremos que pensar em novas maneiras de conter a transmissão. Além disso os cientistas precisam aprender a se comunicar com a sociedade e com os políticos que são os tomadores de decisão. De nada adianta cientistas terem desenvolvido vacinas em tempo recorde para que elas fiquem dentro de freezers. Vacinas só funcionam dentro das pessoas e essas pessoas precisam estar muito bem informadas de que elas são seguras e não é uma obrigação tomar vacina, mas sim um direito amparado pelo Estado”, completa Luiz Almeida, que é PhD em Microbiologia na área de Genética de Bactérias pelo ICB-USP e membro do Instituto Questão de Ciência (IQC).

Vacinas

A questão das vacinas só foi possível graças a uma união de esforços, tecnologias e investimentos. Estudos prévios sobre o coronavírus e o trabalho incansável de cientistas de todo mundo também se mostraram fundamentais, como explica o Luiz Almeida. “Do ponto de vista científico demos um salto de pelo menos 10 anos no desenvolvimento de tecnologias de produção de vacinas. Temos quatro fatores fundamentais que ajudaram a agilizar esse processo: pesquisas anteriores, investimentos, trabalho em conjunto global 24 horas por dia e muitas pessoas ficando doente em um curto espaços de tempo.” Em pandemias anteriores, universidades como a de Oxford já estavam desenvolvendo vacinas de vetores contra a MERS – doença respiratória, causada por um outro tipo de coronavírus, além do desenvolvimento de vacinas de RNA, que também já eram pesquisado por, pelo menos, trinta anos, garante o especialista. “A pandemia voltou os olhos do mundo todo em busca de uma solução e os investimentos foram na ordem de bilhões de dólares”, explicou.

“O número de pesquisas publicadas sobre o SARS-CoV-2 e a Covid-19 ultrapassou os 70 mil artigos científicos indexados. Muitos destes artigos trouxeram informações fundamentais para o desenvolvimento das vacinas, como por exemplo, a elucidação do processo de infecção do vírus em células humanas, o sequenciamento do genoma do vírus e a forma da proteína S (spike ou espícula), que é o principal alvo das vacinas sendo desenvolvidas no mundo todo. Se hoje é a espícula, amanhã pode ser uma outra proteína viral que tenha forma de um garfo ou uma faca, não importa. O que precisamos saber é qual informação genética no genoma do vírus que produz essa proteína alvo. Nós copiamos apenas essa informação e não utilizamos mais nada do vírus. Isso cria uma agilidade imensa para que um dos processos mais demorados para combater um novo vírus seja agilizado, que é exatamente a formulação de vacinas”, diz Luiz Almeida.

Além disso, a fase 3 de testes das vacinas depende muito que pessoas voluntárias aos estudos tenham contato com o vírus – seja as que tomaram o imunizante ou o placebo – é exatamente esse contato que nos dá a taxa de eficácia de um imunizante. Com uma pandemia com a taxa de infecção alta, como é o caso da Covid-19, os números mínimos são atingidos mais rapidamente do que em doenças mais controladas. “O Brasil foi um dos países que mais recrutou voluntários para os testes da vacina por conta do alto número de pessoas infectadas e pela falta de planejamento e liderança em conter a circulação do vírus no país. Isso fez com que, em poucos meses, diversos voluntários que estavam participando do estudo fossem infectados com o vírus. Existem casos de testes com vacinas em que o vírus, como não é tão circulante, demorou anos para concluir a fase 3.”

Distanciamento e lockdown

Diante das incertezas da pandemia, países adotaram estratégias diferente e, em momentos distintos, na tentativa de conter o vírus. Uma delas foi o lockdown, utilizado principalmente em boa parte da Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, as medidas de contenção ao vírus foram tomadas pelos estados e municípios – diante do silêncio do presidente da República, Jair Bolsonaro. Mais do que impedir a circulação do vírus, os cientistas aprenderam que essa quarentena seria responsável por dar um respiro para os sistema de saúde se equiparem para os casos que, hora ou outra, iriam acontecer. “Estas medidas de lockdown e distanciamento social severo são o último recurso que temos para não realizar a Escolha de Sofia que, infelizmente, médicos precisaram fazer no momento mais crítico da pandemia. Prolongar essas medidas de último recurso também não é eficiente”, diz Luiz Almeida.

De acordo com Carlos Carvalho, que integra o Centro de Contingência em São Paulo, dependendo da fase da pandemia o distanciamento tem determinadas funções. “Na ascensão dos casos, quando você tem uma proporção de número de pessoas infectadas e o sistema de saúde não está preparado para absorver isso. Nesse caso, ele é efetivo. Mas o vírus não vai morrer de velho, ele só vai circular menos. É importante fazer o isolamento também como uma medida restritiva para que determinadas populações de risco não se exponham. Nesse caso, você diminui a circulação de risco e protege as pessoas” disse. “Elas [estratégias] servem para que os governos tenham tempo de traçar um plano o mais rápido possível de combate à pandemia. E ajuda a não ter muitas pessoas de uma vez internadas nos leitos de UTI o que pode causar o colapso o sistema de saúde”, completa Luiz.

Imunidade de Rebanho

A imunidade de rebanho, atingida quando boa parte de determinado grupo ou país se contamina com o vírus e cria anticorpos, pode ser um erro, apontam especialistas. Entre alguns exemplos de lugares que tentaram adotar a estratégia e não foram felizes está a Suécia, na Europa, e o Estado do Amazonas, no Brasil. “No caso do Sars-CoV-2, a imunidade de rebanho não foi atingida em lugar nenhum. Vários países do hemisfério norte registraram repique de casos. E isso começou a acontecer aqui no Brasil também”, relata Carlos Carvalho. A lógica é que, quanto mais o vírus circular, mais pessoas serão infectadas e produzirão anticorpos, no entanto, indivíduos com organismo mais sensíveis podem ter sequelas graves e até mesmo morrer.

“Não existe imunidade de rebanho sem vacinas. Nós sabemos que o vírus pode, inclusive, interferir na comunicação do sistema imunológico em humanos e fazer com que ele não se lembre que fomos infectados. As vacinas, por trabalharem com o vírus inativado (Sinovac) ou apenas com a informação genética que induz as células humanas a produzirem a proteína S (Pfizer, Moderna), não causam esse problema de apagão no sistema imunológico das pessoas”, explica o PhD em Microbiologia. “Além disso não devemos pensar apenas em número de mortos quando falamos da Covid-19. Temos diversos casos relatados e documentados sobre efeitos colaterais duradouros após a infecção ser debelada, como perda de olfato e paladar ou até mesmo dificuldade em respirar por conta do dano causado no pulmão pelo vírus”, completa.


Fonte: Jovem Pan

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