‘CPI vai investigar se governo trabalhou com a ideia de disseminar a doença’, diz Humberto Costa

Humberto Costa foi ministro da Saúde no primeiro governo Lula

Ministro da Saúde do primeiro governo Lula e um dos 11 integrantes da CPI da Covid-19, que será instalada na terça-feira, 27, o senador Humberto Costa (PT-PE) defende que a comissão investigue se o governo do presidente Jair Bolsonaro trabalhou deliberadamente com a ideia de disseminar o coronavírus, apostando na chamada imunidade de rebanho e relegando ao segundo plano a adoção de medidas restritivas e a compra de vacinas contra a doença. Costa falou à Jovem Pan na manhã desta sexta-feira, 23, e classificou como “trágica” a condução do Palácio do Planalto no enfrentamento à pandemia no Brasil. “É a pior condução que há no mundo inteiro. E ela não se justifica, porque, em verdade, temos uma expertise muito grande em lidar com doenças infecciosas. Temos um programa de imunização bem avaliado no mundo todo, temos expertise para lidar com ações de prevenção. Me parece que o governo adotou uma visão equivocada, elaborada com alguém que tem um pseudoconhecimento de saúde pública e que considerou que a melhor forma de superar a Covid-19 era com as pessoas se contaminando, para gerar a imunidade natural e, com isso, controlar a circulação da doença”, afirmou.

Às vésperas do início dos trabalhos da CPI, Humberto Costa defende que os primeiros convocados sejam “os gestores atuais”, com prioridade ao atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para que a comissão consiga mapear o que está sendo feito no momento mais grave da pandemia no país e o que pode ser feito para que haja uma mudança de rumos. “Deveríamos começar com os gestores atuais. A pandemia continua, a situação não tem saída à vista. Fala-se, inclusive, que, por conta do aprofundamento da situação grave na Índia, teríamos uma redução na disponibilidade de vacina no mundo – isso coloca o horizonte de atender os mais vulneráveis ainda mais para a frente. Além disso, algumas coisas não estão claras. O que está faltando para que haja a liberação da vacina russa, a Sputnik V? Falta uma visita à fabrica? Por que ela não foi feita? A Anvisa precisa explicar. O Brasil comprou 47 milhões [de doses] dessa vacina, uma parte com entrega imediata. Por que isso não aconteceu? Queremos ouvir a Anvisa“, disse.

Confira abaixo a íntegra da entrevista, feita por telefone:

Como membro da CPI da Covid-19 e ex-ministro da Saúde, como o senhor avalia a condução do governo federal no enfrentamento à pandemia? É trágica. É a pior condução que há no mundo inteiro. E ela não se justifica, porque, em verdade, temos uma expertise muito grande em lidar com doenças infecciosas. Temos um programa de imunização bem avaliado no mundo todo, temos expertise para lidar com ações de prevenção. Me parece que o governo adotou uma visão equivocada, elaborada com alguém que tem um pseudoconhecimento de saúde pública e que considerou que a melhor forma de superar a Covid-19 era com as pessoas se contaminando, para gerar a imunidade natural e, com isso, controlar a circulação da doença. Isso pode valer para doenças simples, sazonais, mas não valeu para uma doença como essa, que acomete uma quantidade enorme de pessoas, que desenvolve sintomas graves, que exige atendimento do sistema de saúde básico e hospitalar. [A Covid-19] Não tem uma letalidade tão grande, mas, como é muito transmissível e grave, termina esgotando o sistema de saúde. Para isso não acontecer, são necessárias ações de prevenção, de isolamento social, de uso máscara, de adoção de lockdown. E essa estratégia não foi aceita pelo governo, porque se criou a falsa contradição entre saúde e economia. Agora, a economia não pode voltar a ser plena porque a condição de saúde não permite. A condução foi, inclusive, irresponsável. Se for verdade essa tese de que o governo deliberadamente apostou na disseminação da doença, na verdade, ele cometeu crime e precisa responder por isso.

Em mais de um ano de pandemia, o presidente Bolsonaro fomentou aglomerações, incentivou o uso de medicamentos ineficazes e ainda boicotou a compra de vacinas. Para o senhor, qual deve ser o foco da CPI? Como disse, o foco deve ser constatar se essa tesa é verdade. Há estudos, como um levantamento feito por pesquisadores da USP, que analisaram mais de 3 mil atos do governo, que apontam para a leitura de que o governo trabalhou com a ideia de disseminar a doença, de sabotagem às medidas restritivas, de recusa em gastar dinheiro, adquirir testes, EPIs, respiradores, não querer implementar leitos hospitalares, leitos de uti. Depois, a questão das vacinas, que foram relegadas ao segundo plano, e a existência da teoria da conspiração para poder se somar a essa visão, que é a ideia de recomendar os medicamentos que comprovadamente não tem eficácia pra enfrentar a doença.

Integrantes do governo e aliados de Bolsonaro no Congresso dizem que a CPI será um palanque político e que, por isso, sua instalação agora é inoportuna. Como o senhor enxerga isso? Não vejo desta forma. No Senado, nós temos uma liturgia política que é um pouco diferente do que acontece na Câmara dos Deputados e do que aconteceria se fosse uma CPMI. A prática da Câmara é muito menos, digamos, diplomática do que a CPI no Senado. As pessoas que estão na comissão, além de ser um número pequeno, 11 integrantes, são pessoas experientes, que conhecem da política, do regimento, do funcionamento da CPI. Ou seja, tudo aponta para ser um processo bastante cordato, diplomático. Os fatos são muito objetivos. Não temos que sair caçando coisas. Temos que complementar coisas que já são objetos de investigação, outras que são de conhecimento público, mas não foram investigadas. Como temos fatos, ainda que o bolsonarismo viva de realidade paralela, temos como corroborar esses fatos. Não vamos ter disputa política – pelo menos da nossa parte. Os senadores mais próximos ao governo vão tentar desqualificar a CPI, impedir que ela avance, mas aí entra a experiência dos senadores que estão lá para enfrentarmos. Eu estou muito tranquilo. A CPI vai cumprir um papel importante de avaliar erros e acertos.


Fonte: Jovem Pan

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