Cientistas brasileiros analisaram a disseminação da Covid-19 pelo país. O estudo está na edição on-line da revista britânica Scientific Reports nesta segunda-feira, 21. Ele revela a influência do fluxo de pacientes graves em busca de um leito hospitalar durante a primeira onda da pandemia, em 2020, e aponta que a capital de São Paulo foi
responsável por mais de 85% da propagação. O SARS-CoV-2 chegou ao Brasil no final de fevereiro do ano passado por viajantes infectados, os autores demonstram que outras 16 cidades ajudam a explicar até 99% dos casos durante os três primeiros meses. Sem restrições sanitárias, 26 estradas federais foram responsáveis por aproximadamente 30% dos casos. Após a transmissão comunitária, os casos começaram a se espalhar pelo interior do país por rodovias federais e estaduais e o crescimento exponencial no interior trouxe os pacientes graves às capitais. Com isso, a distribuição espacial das mortes no território brasileiro começou a se sobrepor à distribuição geográfica dos leitos de UTI, concentrados de forma desigual nas capitais.
De acordo com Miguel Nicolelis, um dos autores do estudo, “a análise mostrou claramente que sem lockdown nacional e bloqueios sanitários nas rodovias ao redor das cidades espalhadoras, o impacto da Covid-19 na primeira onda da pandemia foi significativamente maior. Igualmente se estas mesmas medidas fossem aplicadas em janeiro de 2021, o número de casos e mortes durante a segunda e mais devastadora onda da pandemia, em março e abril, teria sido bem reduzida. De junho de 2020 a junho de 2021, os óbitos por Covid-19 passaram de 50 mil para 500 mil, 10 vezes em 12 meses. O dado ilustra como o governo federal abdicou de forma explícita e crassa de seu dever de proteger o brasileiro da maior catástrofe humanitária da sua história”, avalia. Como no Brasil o maior volume dos leitos de UTI está nas grandes cidades, o país experimentou a maior taxa de admissão hospitalar da sua história, com picos recordes de letalidade em capitais. São Paulo recebeu pacientes de outras 464 cidades brasileiras, seguida por Belo Horizonte e Salvador e também foi quem mais transferiu pacientes para outros municípios, 158 cidades.
O professor Rafael Raimundo enfatiza que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi fundamental no combate à pandemia e “sem a infraestrutura pública construída nos últimos 40 anos, o impacto certamente seria ainda mais devastador, mas expôs a necessidade de uma infraestrutura hospitalar de maior porte no interior brasileiro”. O trabalho dos cientistas cobra que o governo deveria ter agido mais rapidamente, criado uma comissão nacional de combate à pandemia, campanha nacional de comunicação, o fechamento do espaço aéreo brasileiro, lockdown nacional, bloqueios sanitários nas estradas, no começo de março 2020, e o “Brasil certamente teria evitado a perda irreparável de dezenas de milhares de vidas”, acrescenta Miguel Nicolelis.
Fonte: Jovem Pan