Mesmo em meio a uma guerra, o presidente Volodymyr Zelensky e seus aliados acham tempo para compartilhar tudo o que está acontecendo na Ucrânia desde o dia 24 de fevereiro, quando o presidente russo, Vladimir Putin, autorizou a invasão do território ucraniano. E não são só informações sobre bombardeios e ataques; são conversas com líderes de outros países. Essa estratégia também tem sido utilizada por pessoas que moram na região para relatar cada passo do conflito. “A comunicação e os discursos são armas de guerra”, explica o professor de geopolítica Danuzio Neto. De acordo com o docente, essas postagens agilizam “o processo de formação de ideias e opiniões”. Para Bernardo Wahl, professor de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), “o fato dessa guerra ir para as redes sociais acaba dando mais capilaridade no conflito, porque apesar de estar acontecendo na Ucrânia, está sendo transmitido e acompanhado em tempo real pelas pessoas”. Na avaliação dos especialistas, esta postura dos ucranianos impôs à Rússia uma derrota em seu jogo da desinformação.
A desinformação, chamada de Maskirovka pelos russos, sempre foi uma das principais armas utilizadas pela Rússia para enfraquecer os seus adversários. Essa estratégia, no entanto, não tem sido eficaz no conflito contra a Ucrânia. Desde o primeiro dia de conflito no Leste Europeu, autoridades e cidadãos do país invadido têm compartilhado tudo o que ocorre no território ucraniano. “A Rússia parece ter sido bem-sucedida no aspecto cibernético, mas está perdendo a guerra da desinformação, por incrível que pareça”, diz Guilherme Thudium, especialista em relações internacionais. Em sua avaliação, os líderes ucraniano “estão se destacando pelo hábil uso das redes digitais como forma de projeção internacional da sua legitimidade, além de uma abordagem institucional heterodoxa por parte das redes oficiais do governo da Ucrânia que vem adquirindo grande repercussão”. Bernardo Wahl endossa o argumento. “A Ucrânia tem usado as redes sociais como uma forma de comunicação e propaganda, e Zelensky tem feito um bom uso dessa ferramenta”, disse à reportagem.
Na contramão do domínio de Zelensky e seus aliados, a Rússia tem sofrido com a suspensão de canais de comunicação e as sanções impostas por alguns aplicativos como forma de evitar o compartilhamento de notícias falsas. Para Thudium, apesar de a Rússia não se importar com a postura do Ocidente, os líderes russo cometem um erro ao não estarem presentes nas redes sociais. “Os diplomatas russos também deveriam estar presente nas redes compartilhando as informações”, resume. Danuzio Neto explica que foi desta forma que o presidente da Ucrânia conseguiu trazer o Ocidente para o seu lado. “Os vídeos que ele grava na rua são disponibilizados facilmente na rede social”, explica. “A guerra acontece muito no campo da opinião pública e na dimensão psicológica das pessoas”, acrescenta Wahl.
Em pouco mais de duas semanas de conflito, o governo russo restringiu o acesso às mídias sociais no país, o que, na avaliação de Guilherme Thudium, é prejudicial por só permitir “que um lado da história seja contado”. “A única verdade [à disposição da comunidade internacional] seria a da Europa e dos Estados Unidos”, afirma. O especialista faz uma comparação com o reality show Big Brother Brasil, onde o participante mais cativante é apoiado pelo público. Por outro lado, o professor Bernardo Wahl faz um alerta: com a enxurrada de informações, é preciso “analisar para saber filtrar” os fatos das mentiras. “As mídias têm sido muito manipuladas por grupos de interesse, elas ainda não estão preparadas para a guerra de informação e para o mundo digital”, opina Thudium.
Nesse contexto, um ciberataque poderia gerar uma Terceira Guerra Mundial? Para Danuzio, sim. O professor avalia que, neste caso, a Rússia se sentiria no direito de contra-atacar. Wahl segue raciocínio semelhante e cita o fato de a Ucrânia ter sido aceita para o Centro de Defesa Cibernética da Otan (CCDCOE) que concentra-se na pesquisa aplicada interdisciplinar, bem como em consultas, treinamento e exercícios no campo da segurança cibernética. Jaak Tarien, diretor do CCDCOE, disse, nesta semana, que essa presença aumentará o intercâmbio de conhecimentos cibernéticos entre a Ucrânia e os países membros do da entidade. O docente da FESPSP ressalta que nenhuma das partes envolvidas na guerra tem interesse na deflagração de um conflito mundial no campo cibernético, mas destaca que é necessário aguardar como o embate irá se desenvolver nos próximos dias.