Durante o primeiro trimestre de 2021, o número de novos registros de armas de fogo no Brasil aumentou 50,2% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Nos três primeiros meses deste ano, foram registradas 82.357 armas. Deste total, 19.105 ocorreram em janeiro, 19.612 em fevereiro e 43.640 em março. Já nos primeiros três meses de 2020, 54.828 armas foram registradas — 15.101 em janeiro, 14.608 em fevereiro e 25.119 em março. Os dados, obtidos com exclusividade pela Jovem Pan, foram divulgados pela Polícia Federal (PF). A maior parte dos novos registros autorizados pela PF se enquadram na categoria “cidadão comum”, que contabiliza 35.807 permissões no primeiro trimestre deste ano. Somando a quantidade de autorizações concedidas pelas autoridades a cidadãos comuns em 2020, o número atinge 21.243 permissões.
Para a juíza de direito do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ivana David, os decretos que ampliam e facilitam o acesso dos cidadãos às armas podem explicar o salto de 50% na quantidade de novos registros no primeiro trimestre deste ano. “Os decretos expedidos pelo presidente da República ampliaram e facilitaram muito o acesso dos brasileiros aos armamentos. Por exemplo, hoje as pessoas podem ter armas dentro de suas propriedades, estão autorizadas a adquirir uma quantidade maior de armamentos e munições e, para conseguirem o porte de armas, podem apresentar exames realizados por psicólogos particulares. Todos estes mecanismos, trazidos pelo presidente através de decretos, diminuíram as barreiras existentes e contribuíram para que a população ficasse mais armada”, explica. Apesar de corresponder à expectativa do eleitorado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), para a juíza, os decretos presidenciais impulsionam uma “tremenda confusão” no meio jurídico. “Os atos causaram uma tremenda confusão no meio jurídico porque, uma hora é decidido que o cidadão pode andar armado, mas na hora seguinte, o decreto é revogado ou alterado.” Eleito defendendo a flexibilização do uso e da compra de armas, Bolsonaro já editou 31 atos que facilitam o acesso aos armamentos desde o início de seu mandato. Alguns deles foram revogados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e outros avançaram, mas todos causam polêmicas no debate público.
“A sociedade está lidando com uma nova política de governo. O presidente é armamentista e este é um dos pilares que o elegeu. Por isso, Bolsonaro está usando os decretos para responder ao eleitorado. No entanto, ao fazê-lo, ele passa por cima da Constituição e dos outros Poderes”, afirma a juíza. Decretos são atos do presidente da República que regulamentam leis. Desta forma, eles não precisam passar por votação e aprovação no Congresso. Cabe ao presidente regular as leis existentes através dos decretos, não criar novas leis. “O decreto é um dispositivo jurídico que o Executivo possui para, eventualmente, esclarecer dúvidas ou preencher lacunas vazias nas letras da lei. O decreto não serve para legislar. A elaboração de uma lei deve obedecer ao procedimento constitucional que prevê uma longa discussão do projeto de lei com a sociedade, debates e votações na Câmara e no Senado, além da sanção presidencial. Em vigor desde 2003, a lei que regulamenta as armas no Brasil é o Estatuto do Desarmamento. Se o presidente possui a vontade de flexibilizar o acesso às armas, deveria fazê-lo através do legislativo, que revogaria o Estatuto do Desarmamento e faria tramitar uma nova lei de acordo com o procedimento constitucional”, esclarece.
As próximas eleições presidenciais acontecem no próximo ano. Segundo a juíza, se outro político for escolhido para sentar-se à cadeira de chefe do Executivo, todos os decretos publicados por Bolsonaro podem ser derrubados. “Quem possui a responsabilidade de legislar são as Casas do legislativo. O Executivo não pode passar por cima dos demais Poderes usando decretos para elaborar leis. Até por isso, estes atos possuem prazo de validade e podem ser revogados a qualquer momento. Por exemplo, muitas vezes o STF revoga os decretos publicados pelo presidente porque a Corte possui a função de julgar a validade das leis para zelar pela Constituição. Além disso, se um novo presidente for eleito, pode derrubar todos os decretos quando quiser”, diz.
Veja medidas que flexibilizam as armas e que estão em vigor no país
- Decreto 9.845: Promulgado pelo presidente Bolsonaro, facilita a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição;
- Decreto 9.846: Promulgado pelo presidente Bolsonaro, prevê regras e procedimentos para o registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores;
- Decreto 9.847: Promulgado pelo presidente Bolsonaro, relaciona-se à aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas;
- Decreto 10.030: Promulgado pelo presidente Bolsonaro, propõe o novo Regulamento de Produtos Controlados;
- Decreto 10.627: Promulgado pelo presidente Bolsonaro, determina um afastamento do Exército sobre a venda e uso de máquinas de recarga de munição e seus projéteis, facilitando que as munições sejam produzidas por quaisquer pessoas sem o controle de quantidade ou rastreio;
- Decreto 10.628: Promulgado pelo presidente Bolsonaro, estabelece que cada cidadão comum pode comprar até seis armas de fogo de uso permitido;
- Decreto 10.629: Promulgado pelo presidente Bolsonaro, permite que caçadores, colecionadores e atiradores comprovem aptidão através de um laudo preparado por qualquer psicólogo ativo – antes, precisavam ser elaborados por psicólogos indicados pela Polícia Federal. Também autoriza jovens a partir de 14 anos a usarem arma de fogo para praticar tiro esportivo e afasta a necessidade de autorização do Comando do Exército para a compra de armas nos limites estabelecidos – sendo 60 armas para atiradores, 30 para caçadores e 10 para colecionadores.
- Decreto 10.630: Promulgado pelo presidente Bolsonaro, estabelece que o porte de armas é válido em todo o território nacional, podendo este abranger até duas armas de fogo simultaneamente com respectivas munições e acessórios;
- Portaria 1.222: Expedida pelo Comando do Exército, determina os parâmetros de aferição e quais são os calibres nominais de armas de fogo e das munições de uso permitido e restrito;
- Portaria 126: Expedida pelo Comando Logístico, revoga as portarias 036 -DMB, 01 D-Log e 021 COLOG e regulamenta a aquisição, registro, cadastro, transferência, porte e transporte de armas de fogo, além da aquisição de munições e de acessórios de arma de fogo por militares do Exército, em serviço ativo ou na inatividade;
- Portaria 136: Expedida pelo Comando Logístico, revoga a portaria 125 e altera as características das armas que CACs podem possuir. A revogação da portaria 125 acaba com a restrição de armas portáteis de alma raiada de uso restrito. Ficam restritas apenas as armas de uso proibido, automáticas e não portáteis. Na prática, libera fuzis, na versão repetição ou semi-automática, para caçadores e atiradores;
- Portaria 137: Expedida pelo Comando Logístico, altera a portaria 126, principalmente no que dispõe sobre aquisição por militares ativos e inativos do Exército;
- Portaria 412: Expedida pelo Ministério da Justiça e da Defesa, aumenta o limite de munições adquiridas, saltando de 50 por arma anualmente para 200;
- Portaria 150: Expedida pelo Comando Logístico, regulamenta as atividades de colecionamento, tiro desportivo e caça;
- Portaria 62: Expedida pelo Comando Logístico, revoga as portarias 46, 60 e 61;
- Portaria 389: Expedida pelo Ministério da Justiça e da Defesa, determina a arma de porte semi automática para uso da Força Nacional, além de estabelecer os critérios técnicos mínimos para aquisição e emprego deste armamento;
- Portaria 423: Expedida pelo Ministério da Justiça e da Defesa, retira as exigências de marcação interna e da chipagem das armas.
Fonte: Jovem Pan