O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, declarou neste sábado, 26, que “desmantelou o plano” de invasão da Rússia e lançou um apelo pela defesa da capital Kiev, que se tornou o principal alvo das forças de Moscou. No terceiro dia da ofensiva lançada pelo presidente russo, Vladimir Putin, pelo menos 198 civis ucranianos, incluindo três crianças, foram mortos, e 1.115 pessoas ficaram feridas na Ucrânia, de acordo com o ministro ucraniano da Saúde, Viktor Lyashko. “Mantivemo-nos firmes e repelimos com sucesso os ataques dos inimigos. Os combates continuam em muitas cidades e regiões do país (…) mas é nosso Exército que controla Kiev e as principais cidades ao redor da capital”, disse Zelensky em um vídeo publicado no Facebook. “Os ocupantes queriam bloquear o centro do nosso Estado e colocar marionetes, como em Donetsk. Conseguimos desmantelar o plano deles”, acrescentou Zelensky, afirmando que o Exército russo “não obteve vantagem alguma”.
Ele também acusou as tropas russas de atacarem zonas residenciais e de tentarem destruir instalações elétricas. Em um apelo aos países ocidentais para que endureçam sua posição contra a Rússia, o presidente disse que a Ucrânia “tem o direito de obter sua adesão à União Europeia”. Ele também se dirigiu aos russos, convocando-os a pedirem a seu governo que “pare a guerra imediatamente”. Washington acusou Moscou de querer assumir o controle de Kiev para “decapitar o governo” ucraniano e, assim, instalar um poder que lhe seja favorável. O Kremlin acusou a Ucrânia, por sua vez, de ter arruinado uma trégua ao se negar a negociar. “Em consonância com as negociações esperadas, ontem à tarde o presidente russo ordenou suspender o avanço das principais forças” das tropas de Moscou, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, acrescentando que, “como o lado ucraniano rejeitou as negociações, as forças russas retomaram o avanço esta tarde”.
Zelensky assegurou que “armas e equipamentos de parceiros estão a caminho da Ucrânia”, referindo-se a uma “coalizão antiguerra”, após uma conversa com o presidente francês, Emmanuel Macron. O Ministério holandês da Defesa informou que entregará 200 mísseis antiaéreos Stinger para a Ucrânia “o mais rápido possível”. Já Praga anunciou que doará armas no valor de 7,6 milhões de euros para Kiev. E o secretário de Estado americano, Antony Blinken, acaba de anunciar uma nova assistência militar à Ucrânia no valor de US$ 350 milhões. “Este pacote incluirá mais assistência defensiva letal para ajudar a abordar as ameaças blindadas, aéreas e de outro tipo que a Ucrânia enfrenta atualmente”, declarou Blinken em um comunicado.
Confrontos em Kiev
Em Kiev, agora uma cidade-fantasma abandonada por seus habitantes, os combates entre as forças russas e ucranianas acontecem na Avenida Vitória, uma das principais artérias da capital. Hoje, o prefeito da capital, Vitali Klitschko, afirmou que qualquer pessoa na rua entre 17h e 8h será tratada como um inimigo. Soldados ucranianos em patrulha garantiram à AFP que as forças russas estavam em posição de tiro a poucos quilômetros de distância. Sob um céu azul, os destroços de um caminhão militar atingido por um míssil ainda fumegavam, enquanto detonações eram ouvidas ao longe. O metrô de Kiev está parado e agora serve de “abrigo” antiaéreo para os moradores, anunciou o prefeito Klitschko no aplicativo de mensagens Telegram.
Um grande edifício residencial foi atingido por mísseis na manhã deste sábado, segundo as autoridades ucranianas, que não informaram sobre vítimas. A noite foi “difícil”, disse o prefeito de Kiev, garantindo que “unidades de sabotagem” de Moscou estão na cidade, mas que ainda não há unidades regulares do Exército russo. No Facebook, o Exército ucraniano informou que destruiu uma coluna de cinco veículos militares, incluindo um tanque, na Avenida da Vitória. Durante a noite, as autoridades relataram um ataque russo a uma central elétrica no bairro de Troieshchyna, no nordeste da capital. Até agora, o Ministério russo da Defesa não mencionou a ofensiva em Kiev, citando apenas disparos de mísseis de cruzeiro contra infraestruturas militares, avanços no leste – onde o Exército apoia os separatistas nos territórios de Donetsk e Luhansk – e no sul, onde as forças russas entraram na quinta-feira pela península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014.
Êxodo
Unidades russas foram identificadas em Borodianki (70 km a noroeste de Kiev); em Butcha, na periferia noroeste da capital; e em Vyshgorod, no norte, informou o Exército ucraniano no Facebook. As forças russas “continuam seu ataque para bloquear Kiev do nordeste (do país), mas foram contidas pelas Forças Armadas ucranianas”, declarou. Em todo o país, dezenas de soldados ucranianos morreram nos combates, de acordo com o Exército ucraniano, que também afirma infligir pesadas perdas ao Exército russo. Moscou não fornece informações sobre suas baixas.
Na estrada entre Kramatorsk e Dnipro, duas cidades no leste da Ucrânia, jornalistas da AFP observaram a presença de um grande número de comboios militares ucranianos. Postos de controle militares foram montados nos pontos de entrada e saída de cada grande cidade nesta área. A Polônia diz que 100 mil ucranianos cruzaram a fronteira polonesa desde quinta-feira. Nove centros de recepção foram criados. “Saímos de casa muito, muito rápido, porque estávamos com medo de um ataque maciço”, contou Dania à AFP, entre os refugiados. No total, mais de 116.000 ucranianos fugiram para os países vizinhos – como Hungria, Moldávia, Eslováquia e Romênia – um número “crescente”, tuitou neste sábado o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Golpe de Estado
Na sexta-feira, a Rússia vetou no Conselho de Segurança da ONU, do qual é membro permanente, uma resolução criticando sua “agressão contra a Ucrânia” e pedindo a retirada imediata de suas tropas. O texto foi apoiado por 11 dos 15 países que o integram. Putin parece determinado a continuar sua ofensiva até expulsar do poder em Kiev aqueles que ele descreve como “viciados em drogas” e “neonazistas”. Ele também incentivou o Exército ucraniano a dar um golpe militar. Segundo Moscou, trata-se de uma “operação militar especial” de “manutenção da paz” para “desmilitarizar” e “desnazificar” um país acusado de um suposto genocídio das populações de língua russa do leste deste território.
A agência russa reguladora do setor de Comunicações (Roskomnadzor) ordenou que a mídia nacional remova de seu conteúdo qualquer referência a civis mortos pelo Exército russo na Ucrânia, bem como os termos “invasão”, “ofensiva”, ou “declaração de guerra”. Nos últimos dias, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) repetiu que não enviará tropas para este país, mas seus países-membros decidiram mobilizar tropas adicionais na Europa, em particular nos países do leste. Ontem, os representantes dos membros da Aliança Atlântica se reuniram por videoconferência para tratar da crise.
Sanções
O presidente ucraniano pediu neste sábado que Berlim e Budapeste aprovem a exclusão da Rússia do sistema bancário internacional Swift, uma sanção considerada como uma “arma nuclear econômica” e examinada pela União Europeia (UE). O chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kouleba, já havia pedido ao Ocidente que “isolasse completamente a Rússia” e “destruísse sua economia”. Por enquanto, o campo ocidental está concentrado em endurecer as sanções à Rússia, depois de ter restringido seu acesso aos mercados financeiros e à tecnologia.
Com Washington na liderança, potências ocidentais deram um novo passo na sexta-feira ao impor – um fato raro e simbólico – sanções ao próprio Putin e a seu ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov. E, também na sexta-feira, um navio comercial, suspeito de pertencer a uma empresa russa alvo de sanções da UE, foi interceptado no Canal da Mancha, informaram as autoridades francesas. A Rússia anunciou, por sua vez, o fechamento de seu espaço aéreo para aviões procedentes de Bulgária, Polônia e República Checa, em retaliação por medida semelhante adotada por esses países.
*Com AFP