Projetos de Lei propõem rever homenagens a escravocratas feitas em espaços públicos

Estátua do bandeirante Borba Gato foi incendiada durante manifestação em São Paulo; episódio trouxe discussão sobre história, memória e cidades

Na Avenida Paulista, em São Paulo, a figura de um homem forte guarda a entrada do parque que fica na frente do Museu de Arte de São Paulo, o Masp. A expressão no rosto é de seriedade e a postura mostra força. A estatua é de Bartolomeu Bueno da Silva Filho: Bandeirante, conhecido como o segundo Anhanguera – do tupi quer dizer diabo velho – como assim foi chamado pelos índios na exploração pelo interior. O monumento é um dos 180 espalhados pelo país e enumerados pelo Coletivo Negro de Historiadores Tereza de Benguela na lista de homenagens a escravocratas. O levantamento é citado no projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, que tem como objetivo proibir homenagens a personagens que defenderam a escravidão. No legislativo municipal de São Paulo, outro projeto em discussão vai ainda mais longe e propõe a substituição dos monumentos. A autora da proposta, vereadora Luana Alves (PSOL), diz que a retirada é apenas uma das possibilidades e estaria condicionada a análise do departamento de patrimônio histórico. Entre as propostas está a criação de um comitê para debater o assunto com sociedade e poder público.

“A gente entende que espaço urbano é um espaço que guarda memória e os valores de uma sociedade. E quando a gente tem uma cidade como São Paulo, a maior da América Latina, e não temos nenhuma política sobre as homenagens a que se faz e os valores que se representam isso é um problema. A gente vê no mundo inteiro diversas cidades tendo políticas urbanas para isso”, relata. O projeto de autoria de Luana Alves sequer passou por votação, mas já divide opiniões. “Sou contra qualquer revisionismo histórico porque não podemos reescrever a história do país e é isso que eles tentam. Em todo país, há menção de locais, há menção de figuras que foram importantes em um momento histórico e a gente não pode julgar a conduta dessas pessoas com base no crivo moral que nós temos hoje em 2021″, opina o vereador Rubinho Nunes (PSL). A discussão sobre memória e espaço público não é de hoje na capital paulista. Desde 2015, um programa da secretaria municipal dos Direitos Humanos e Cidadania revê nomes de ruas e vias relacionadas a repressão do regime militar. A maior herança até então está aqui o minhocão, atualmente chamado elevado presidente João Goulart – deposto pelo golpe militar – na sua inauguração levava o nome do presidente da ditadura: Costa e Silva.

Não há como apagar nossa história, mas é possível reposicionar narrativas, diz o historiador  Carlos da Silva Junior, que tem trabalhos de reflexão sobre a relação de patrimônio e questões sensíveis aos direitos humanos. “Há a construção de uma memória coletiva a respeito dessas personalidades que ignora um passado pautado na escravização, na mortandade, no assassinato de outras comunidades. Isso de um lado, de outro lado você tem direito à cidade, os munícipes tem direito de definir ou decidir qual tipo de pessoa pode ou deve ser homenageado. Me parece que às vezes essa discussão é colocada em dois polos diametralmente opostos sem pensar em outras alternativas. Ou você mantém a estátua ou você destrói a estátua. Entre essas duas posições há uma diversidade de outras possibilidades”, explica Carlos da Silva Junior, citando, por exemplo, a possibilidade de reunir os monumentos em um museu, como foi feito pelos alemães com estátuas de líderes nazistas retiradas do espaço público.


Fonte: Jovem Pan

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