No dia 18 de agosto de 2020, o Diário Oficial da União (DOU) trouxe a nomeação do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) como líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados. O parlamentar foi escolhido para substituir Major Vitor Hugo (PSL-GO), fiel aliado do presidente da República, no posto responsável pela articulação política do governo junto aos deputados. Barros foi ministro da Saúde na gestão Michel Temer, vice-líder nos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e líder na Câmara quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ocupou a Presidência da República. A escolha faz parte da estratégia do Palácio do Planalto de se aproximar dos partidos do chamado Centrão para ampliar sua base de apoio no Congresso Nacional, e representa um ponto de inflexão no discurso de campanha do então deputado Jair Bolsonaro. Antes de tomar posse, Bolsonaro prometia governar com as chamadas bancadas temáticas no Legislativo e dar fim ao “toma lá, dá cá”, prática conhecida pela indicação de cargos em troca de apoio no Congresso. Foi com a benção das frentes parlamentares que o presidente escolheu dois de seus ministros: Luiz Henrique Mandetta, demitido do Ministério da Saúde em abril deste ano, e Tereza Cristina, atual ministra da Agricultura.
Dentro da Câmara, no primeiro ano de mandato, o governo contava quase que exclusivamente com o apoio da bancada do PSL, segunda maior da Casa, com 53 deputados, entre eles Carla Zambelli (SP), Eduardo Bolsonaro (SP) e Carlos Jordy (RJ). Apesar da aprovação da reforma da Previdência, uma das principais bandeiras do ministro da Economia, Paulo Guedes, o governo pouco avançou na pauta de costumes, sensível a grande parte do seu eleitor. Foi com este diagnóstico, somada à necessidade de aprovar outras reformas estruturantes, como a tributária e administrativa, que os articuladores políticos de Bolsonaro entraram em cena para atrair caciques de siglas como Republicanos, PL, PP e Solidariedade, por exemplo.
Além da troca de Vitor Hugo por Ricardo Barros, Bolsonaro substituiu, ao menos, dez vice-líderes na Câmara. Em setembro deste ano, deixaram o cargo os deputados Aline Sleutjes (PSL-PR), Carla Zambelli (PSL-SP), Carlos Jordy (PSL-RJ), Caroline de Toni (PSL-SC), Coronel Armando (PSL-SC), Diego Garcia (Podemos-PR), Eros Biondini (PROS-MG) e Guilherme Derrite (PP-SP). Eles foram substituídos por Luiz Lima (PSL-RJ), Giovani Cherini (PL-RS), Joaquim Passarinho (PSD-PA), Alberto Neto (Republicanos-AM), Greyce Elias (Avante-MG), Gustinho Ribeiro (Solidariedade-SE), Marreca Filho (Patriota-MA), Carla Dickson (PROS-RN), Paulo Azi (DEM-BA) e Lucio Mosquini (MDB-RO). Antes, em julho, o presidente já havia substituído os deputados Otoni de Paula (PSC-RJ) e Daniel Silveira (PSL-RJ) da vice-liderança – os dois parlamentares são investigados no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura a realização de atos antidemocráticos. À época, o gesto foi visto como um aceno ao STF e uma tentativa de pacificar a relação entre os Poderes. Mais recentemente, Bolsonaro nomeou o deputado Fábio Faria (PSD-RN), parlamentar com bom trânsito no Congresso, como ministro das Comunicações, e passou a apoiar o nome de Arthur Lira (PP-AL), expoente do Centrão, como sucessor do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O movimento político do presidente da República é legítimo do ponto de vista de governabilidade, mas representa uma contradição em relação às promessas feitas na época de campanha, segundo o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “É preciso dizer que a escolha de governar com bancadas temáticas não deixa de ser interessante, porque elas não deixam de ser como partidos que defendem algumas bandeiras dentro do Congresso. Seria ruim se essa relação se limitasse às questões religiosas ou armamentistas, mas a boa relação com estas frentes parlamentares é fundamental. Mas, como Bolsonaro se revelou absolutamente incompetente na relação com o Congresso em seu primeiro ano de governo, ficando de braços cruzados, apostando em discursos e na mobilização de sua base, pouca coisa foi aprovada. Diante disso, ele inicia esse movimento na direção do chamado Centrão”, disse em entrevista à Jovem Pan. “Por um lado, revela uma consciência política de Bolsonaro no que diz respeito à importância de construir consenso, dialogar, articular e fazer política, o que não era o caminho adotado por aqueles deputados do PSL eleitos em 2018. Por outro, mostra a contradição entre discurso e prática”, acrescenta.
O aceno aos políticos do Centrão fica ainda mais claro na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. O nome preferido do governo é o do deputado Arthur Lira (PP-AL), líder de seu partido e expoente do grupo na Casa. Lira antagoniza com o bloco do atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), visto como inimigo pelos apoiadores de Bolsonaro, e dá demonstrações de que poderá pavimentar um caminho para que pautas caras à base bolsonarista possam avançar no Legislativo. Na segunda-feira, 21, em uma série de tuítes publicados em sua conta oficial, o cacique do Centrão afirmou que seu objetivo é “dar voz a todos” e não impedir “as chamadas iniciativas radicais”. “A nova Câmara é aquela que não barra nem libera as chamadas iniciativas radicais. A nova Câmara é aquela que põe todos os assuntos na mesa, que dialoga e chega no entendimento. Com o plenário sempre soberano. Não é o presidente quem dita o que é discutido. Ele só coordena. Esse é meu pensamento: dar voz a todos”, disse.
A nova Câmara é aquela que não barra nem libera as chamadas iniciativas radicais. A nova Câmara é aquela que põe todos os assuntos na mesa, que dialoga e chega no entendimento. Com o plenário sempre soberano.
— Arthur Lira (@ArthurLira_) December 21, 2020