Suspensões, adiamentos e judicialização. Em meio à pandemia da Covid-19 e com intensos debates sobre os riscos e benefícios da aplicação, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começa neste domingo, 17. A primeira etapa do vestibular mais importante do país acontece para mais de 5,6 milhões de estudantes que optaram por realizar a tradicional versão impressa da prova. Seguindo cronograma do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a segunda etapa do exame deve acontecer no dia 24 deste mês. Já a aplicação da inédita versão digital do vestibular está marcada para os dias 31 de janeiro e 07 de fevereiro. Embora estas sejam as datas principais da prova, o Inep estuda aplicar a prova nos dias 23 e 24 de fevereiro para estudantes que testaram positivo para a Covid-19 neste mês – no Amazonas, devido ao colapso do sistema de saúde, o exame já foi reagendado para estes dias.
Inicialmente, a edição 2020 do Enem estava marcada para acontecer em novembro do ano passado, com diferentes datas para a versão impressa e digital do exame. No entanto, com o avanço expressivo da Covid-19 a partir de abril no país, autoridades de saúde, assim como especialistas da educação, iniciaram debates sobre a necessidade de mudanças na data da prova. Em 16 de maio, entidades educacionais de São Paulo, como a Unifesp, UFSCar, UFABC e o IFSP, publicaram um manifesto defendendo o adiamento do Enem para o início deste ano, considerando o ser “notório que a pandemia tem comprometido sobremaneira as condições de continuidade e conclusão dos estudos das alunas e alunos do ensino médio, potenciais candidatos ao exame e que sonham com a oportunidade de acesso ao ensino superior”. Ao mesmo tempo, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) entraram com pedido de liminar solicitando o adiamento da prova, o que chegou a ser negado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gurgel de Faria.
Apesar dos pedidos e dos impactos da pandemia na educação brasileira, que precisou se adaptar, às pressas, ao ensino remoto, tanto o Ministério da Educação quanto o Inep chegaram a negar a possibilidade de suspensão ou mudança no exame. Na época, o então ministro da pasta Abraham Weintraub, exonerado do cargo em 20 de junho, minimizou a necessidade do adiamento defendendo que o “Brasil não pode parar” e afirmando, inclusive, que o vestibular aconteceria na data inicialmente planejada: “Vai ter Enem”, disse o chefe da Educação em 18 de abril. Logo depois, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, disse em entrevista à Jovem Pan que o adiamento prejudicaria os cerca de “5 milhões de inscritos e os 500 mil alunos que têm algum tipo de suporte do governo para entrar no ensino superior”, defendendo também a realização do exame no contexto pandêmico.
Entretanto, mesmo com a recusa das autoridades, os debates – e defesas do adiamento – continuaram, chegando até mesmo ao Congresso Nacional. Em 19 de maio, o Senado Federal iniciou as discussões sobre o possível adiamento de vestibulares. Segundo proposta aprovada pelos senadores, ficaria prorrogado automaticamente a aplicação das provas, exames e demais atividades de seleção para o ensino superior em caso de reconhecimento de estado de calamidade pública, como no caso da pandemia. Com aumento da pressão social e legislativa, um dia depois, em 20 de maio, o Ministério da Educação anunciou o adiamento do Enem pelo prazo estimado de 30 a 60 dias. Com a decisão, a pasta iniciou pesquisa online com os inscritos para definir a melhor data para a futura aplicação, considerando o calendário de outros vestibulares que usam o resultado da prova para seleção.
Embora positivo, o adiamento do Enem não minimizou os desafios da Covid-19 impostos aos estudantes. Falta de concentração, dificuldade para acesso a plataformas digitais de ensino, adaptação ao ambiente remoto e ampliação do abismo educacional estão entre os percalços enfrentados por professores e alunos a partir de março de 2020. Com a mudança do Enem, o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, levantou até mesmo a possibilidade do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), responsável pelo acesso às principais universidades públicas do país, não considerar as notas do Enem para seleção dos estudantes no primeiro semestre deste ano. O motivo é que a mudança nas provas, e consequentemente na divulgação dos resultados, comprometeria o calendário de matrícula nas faculdades, o que gerou preocupação e revolta dos estudantes. Após repercussão negativa, o Ministério da Educação voltou atrás e garantiu que as notas do Enem serão utilizadas no pelo Sisu em 2021.
Novo adiamento
Meses depois do início das discussões pelo adiamento, a judicialização e as divergências sobre a realização do Enem continuam ganhando novos capítulos. Na última semana, às vésperas da prova, autoridades da saúde, assim como representantes políticos, voltaram a pedir a suspensão temporária do exame pelo mesmo motivo que levou ao primeiro adiamento: os avanços da Covid-19 e as altas chances de transmissão da doença. Em ofício enviado ao ministro Milton Ribeiro, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) pediu novo adiamento do Enem e alertou que a aplicação do vestibular neste domingo pode impulsionar um expressivo aumento de contaminações pelo coronavírus. “Apesar dos jovens terem menor risco de desenvolver formas graves e tampouco estar prevista a vacinação da população com menos de 18 anos, o aumento da circulação do vírus nesta população pode ocasionar um aumento da transmissão nos grupos mais vulneráveis”, dizia documento.
Essas recomendações para novos adiamentos levaram a Defensoria Pública da União (DPU) a solicitar a postergação da prova em todo o estado de São Paulo. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou o adiamento, após a solicitação já ter sido recusada pela Justiça de São Paulo. Para o desembargador Antonio Cedenho, a nova mudança causaria a “desestabilização da educação básica e do ensino superior”. No entanto, apesar da tentativa frustrada das autoridades paulistas, para a Justiça Federal do Amazonas o entendimento da situação foi diferente. Apesar dos pedidos, debates, posições de especialistas e decisões da Justiça, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, defendeu, em entrevista à Jovem Pan, que a aplicação do Enem é segura e negou, repetidas vezes, qualquer possibilidade de reagendamento da prova. Segundo o instituto, “reorganizar um calendário a nível do Enem é fragilizar e colocar em risco políticas públicas dela decorrentes”. Para a instituição, um novo adiamento poderia, inclusive, “inviabilizar o início do ano letivo nas universidades federais”. Embora o Enem não tenha sido novamente adiado e o total de inscritos para atual edição, cerca de 5,8 milhões de estudantes, represente aumento de 13,5% nas inscrições em comparação com 2019, há possibilidade de que, assim como as provas da Unicamp e da Fuvest, o Enem registre índice recorde de abstenções dos candidatos neste ano.
Fonte: Jovem Pan