Guerra da Síria, 10 anos: Conflito devasta território, marca a infância de uma geração e assombra o mundo

Pessoas circulam em meio aos escombros da cidade de Alepo, que teve 70% do seu território destruído por bombardeios

Em março de 2011, a Síria mergulhou numa guerra civil que assombraria o mundo. Os números falam por si só: em dez anos de violência, 11 milhões de sírios se tornaram refugiados, 387 mil morreram, 75 mil desapareceram e o país foi quase completamente destruído. Só em Alepo, a maior cidade do país, uma área total de 133 km², o equivalente a 70% do território sírio, foi devastada pelos bombardeios. É como se toda a Zona Oeste de São Paulo fosse dizimada junto com o seu patrimônio histórico-cultural, seus hospitais, escolas, templos religiosos e casas. O custo deste conflito na última década equivale a US$ 1,2 trilhão em PIB perdido, segundo relatório da World Vision, ONG de ajuda humanitária que atua em quase cem países. E mesmo se a guerra acabasse hoje, até 2035 as repercussões econômicas equivaleriam a um adicional de US$ 1,4 trilhão. Ironicamente, a responsabilidade de reconstruir a Síria ficará nas mãos de uma geração inteira de crianças e adolescentes que tiveram dez dos seus primeiros anos de vida roubados pela violência. “Meninos e meninas de cinco anos de idade podem identificar todos os tipos de explosivos pelo som, mas raramente conseguem soletrar seus nomes corretamente, um sinal do efeito desse conflito em sua educação e oportunidades”, afirma Johan Mooji, diretor de Resposta da World Vision na Síria. Atualmente, estima-se que 2,8 milhões de crianças estejam fora da escola. Infelizmente, muitos meninos eram recrutados para participar ativamente no conflito, sendo que 82% deles eram colocados diretamente em funções de combate. Já as meninas viviam sob o medo de serem estupradas, abusadas sexualmente ou submetidas ao casamento infantil. Não à toa, a expectativa de vida das crianças foi reduzida em quase 13 anos ao longo da última década.

Uma pesquisa encomendada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) apontou que, entre os jovens sírios de 18 a 25 anos que ainda vivem no país, metade teve pelo menos um parente ou amigo próximo morto por causa da guerra. Ainda dentro dessa faixa etária, 57% perderam um ou mais anos escolares. Nessas condições, a dificuldade em conseguir emprego é grande. Um em cada seis homens e uma em cada três mulheres não possuem nenhuma fonte de renda. Isso faz com que os sírios esgotem todas as suas economias antes de começarem a vender os poucos objetos pessoais que lhes restam e, então, começarem a se submeter a trabalhos degradantes. Como não poderia ser diferente, a soma desses fatores influenciaram negativamente na saúde mental: nos últimos 12 meses, 73% dos jovens sírios tiveram episódios de crise de ansiedade e 58% tiveram depressão.

O Alto-Comissariado da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) aponta que desde 2011, mais de 6,6 milhões de sírios cruzaram as fronteiras do país, o equivalente a quase toda a população da cidade do Rio de Janeiro. Isso faz com que a Síria seja um dos principais países de origem de refugiados atualmente. A maioria deles se dirige às nações vizinhas do Oriente Médio, como a Turquia (3,6 milhões), o Líbano (856 mil) e a Jordânia (664 mil), mas há também um número significativo vivendo na Alemanha (572 mil) e na Suécia (113 mil). O Brasil, por sua vez, lançou em 2013 uma portaria que flexibiliza a entrada de cidadãos da Síria e, desde então, 3.800 sírios reconhecidos como refugiados vivem no país.

Uma dessas pessoas é Ghazal Marambo, de 38 anos. Antes do conflito, ela vivia uma vida “boa e tranquila” como dona de casa em Damasco, capital da Síria, onde criava dois filhos. Seu marido era um engenheiro mecânico que ganhava o suficiente para garantir que a família tivesse um apartamento com carro na garagem. Com o início da guerra, no entanto, a estabilidade acabou. “Todo mundo tinha medo de sair de casa e não voltar”, conta. Esse medo acabou se concretizando: seu marido foi preso por engano porque possuía o mesmo nome de um outro homem procurado pelas autoridades sírias. Depois de passar três meses e meio encarcerado injustamente, ele finalmente foi libertado e decidiu se mudar para o Líbano com a família. Eles passaram um ano no país vizinho, mas a dificuldade em encontrar emprego os levou a pensar em um plano B. Em uma semana, o casal conseguiu tirar o visto na Embaixada do Brasil no Líbano, onde um funcionário recomendou que eles fossem morar no Brás, em São Paulo, que já possuía uma comunidade árabe significativa.

O porta-voz da ACNUR no Brasil, Luiz Fernando Godinho, explica que não existe um programa especialmente dedicado aos refugiados sírios no país porque a sua população é numericamente pequena. No entanto, eles são acolhidos pela instituição juntamente com refugiados de outras origens, que define um pacote de ajuda junto com outras organizações parceiras. “Além das aulas de português para se inserirem devidamente na sociedade brasileira, eles recebem assistência jurídica, psicossocial e auxílio para encaminhar as crianças para a escola”, afirma. Apesar disso, Ghazal defende que ela e o marido tiveram pouca ajuda para começar uma nova vida quando chegaram ao Brasil, em dezembro de 2013. “Tem algumas ONGs que ajudam um pouco, mas só dando cestas básicas”, afirmou.


Fonte: Jovem Pan

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