Voluntários na fronteira com a Ucrânia ajudam a traçar rotas de fuga e a buscar abrigos; veja relatos

Criança, vista pela janela de um ônibus, observa a evacuação de civis para Kiev, transportados por combatentes da defesa territorial, na pequena cidade de Irpin, perto de Kiev, na Ucrânia

A guerra entre Rússia e Ucrânia, que acontece desde o fim de fevereiro já soma mais de 1 milhão de refugiados, de acordo com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). As pessoas que têm deixado para trás toda uma história e cruzado as fronteiras levando apenas uma bolsa nas costas têm buscado abrigo nos países vizinhos. Da mesma forma que o número de exilados sobe conforme a guerra se estende, também se observa um aumento na quantidade de voluntários dos mais variados países que têm se solidarizado com a situação e estão ajudando quem precisa. Quem cruza a fronteira recebe um ombro amigo logo de início e um suporte, seja com uma roupa, um copo de água, um prato de comida e até mesmo com um abrigo na casa de um desconhecido.

Essas iniciativas têm surgido de várias formas e auxiliado centenas de pessoas que fogem da guerra. Tudo é feito e organizado por meio da internet. Foi assim que surgiu o grupo Frente Brazucra, que já conta com mais de 21 mil seguidores nas redes sociais. No projeto, são 52 pessoas, e no Telegram o número de integrantes passa dos mil. É por meio desse aplicativo que as coisas são organizadas. Cada um dos participantes ajuda da forma que pode, seja doando roupas, alimentos e até com contribuição em dinheiro. O grupo atua na Polônia, local que já recepcionou mais de 500 mil refugiados e é o principal destino buscado pelos ucranianos e estrangeiros que moram no país.

 

“Parece que a água está subindo aos poucos para afogar a gente”

“Me tirem daqui rápido, por favor! Preciso de ajuda”. São essas as palavras mais escutadas por Mary de Jesus, coordenadora das operações do Frente Brazucra, quando recebe um novo pedido de ajuda. “A Ucrânia está devastada, tem lugares que nem parece que existiu vida”, conta Mary, que também fala que apesar desse cenário, alguns querem permanecer no país por acharem que não vão ter sucesso na travessia até um novo destino e se sentem protegidos onde estão. Mas essa não é a escolha de todos, segundo ela “outras pessoas estão desesperadas, querem sair de qualquer jeito”. Para ajudar nessa evacuação, Mary cuida da parte da organização das rotas e trajetos, de forma que toda a operação seja realizada em segurança e seja possível ligar quem está saindo com o voluntário que está esperando. Se não houver esse trabalho, “no momento do desespero, as pessoas acabam se atropelando”, explica Mary, que já mora na Europa há dois anos, mas está na Polônia há apenas 4 meses.

O processo de retirada dos brasileiros costuma começar pela internet. “As pessoas que estão lá têm mantido contato com os seus parentes que, por sua vez, nos localizam nas redes sociais e fazem a ponte entre nós”, detalha Mary. O trabalho do Frente Brazucra acontece desde quando os refugiados estão na Ucrânia até depois, quando eles cruzam a fronteira. “O auxílio que a gente dá é desde conseguir um trajeto mais tranquilo para sair do país até o depois, quando direcionamos quem chega para a casa de um voluntário, onde ele recebe alimentação, acolhimento e banho”, explica Mary ao ressaltar que tudo é realizado sem custo algum.

O projeto é totalmente independente e não recebe nenhuma ajuda do governo. Mary não sabe ao certo o número de pessoas que já conseguiram ajudar. No começo da guerra, eles ajudavam apenas brasileiros, mas agora, com o avanço da invasão, passaram a auxiliar pessoas de diversas nacionalidades. Quanto mais os conflitos continuam, mais o desespero do Frente Brazucra aumenta. “Parece que a água está subindo aos poucos para afogar a gente, e o desespero quer tomar conta, mas estamos nos esforçando para conseguir fazer os trabalhos de forma ágil e rápida”, comenta Mary ao ser questionada sobre os bombardeios que tem acontecido na cidade de Kiev e em outros grandes espaços urbanos.

“É preciso ter um corredor humanitário”

Esse espírito de solidariedade também atinge pessoas que já estiveram na Ucrânia durante a guerra. É o caso de Roberto Szymanski. O técnico de futebol estava no país para uma pré-temporada quando ele e seu time foram pegos de surpresa pela invasão russa – segundo ele, lá não acreditavam que isso poderia acontecer, já que era um assunto em que se falava há mais de 10 anos. Szymanski, junto com os atletas que ele treina, conseguiram sair logo no segundo dia, e agora que já estão em um lugar seguro se sentem na obrigação de ajudar quem ainda não conseguiu atingir o mesmo objetivo.

“Temos trabalhado com a questão de receber pessoas e realizar o encaminhamento para algum lugar dentro da Polônia que eles tenham interesse em ficar. Lá eles têm alimentação e assistência com produtos básicos”, explica o treinador que faz questão de deixar claro que não são só brasileiros que eles estão ajudando. “Também buscamos mulher com criança de colo, pessoas de idade, tentamos ajudar o máximo possível.” Szymanski fala que as fronteiras estão cada dia mais lotadas, e as filas de carros para sair do país já passam de 67 km de extensão. Diante da acentuação dos conflitos, o treinador fala da necessidade de ter um corredor humanitário porque o número triplicou. Na quinta-feira, 3, representantes da Ucrânia e da Rússia se reuniram em Belarus para uma segunda rodada de negociação. Apesar de não terem chegado a nenhum acordo sobre o cessar-fogo, os lados concordaram em fazer um corredor humanitário para retirar os civis em segurança.

refugiando tentando cruzar fronteira com a Polônia

Refugiados fazer filas quilométricas para tentar atravessar a fronteira com a Ucrânia

“Estamos aqui para ajudar”

Não é só do lado polonês que as pessoas têm ajudado quem cruza a fronteira. Apesar de não ser um destino tão buscado por estar mais afastado da Ucrânia, a Eslováquia já recebeu mais de 70 mil refugiados. É de lá que a brasileira Eliane Jardim tem ajudado quem chega. Diferente do Frente Brazucra, o número de pessoas auxiliadas é bem menor, foram apenas seis até agora, mas isso não diminui o impacto e importância que a solidariedade tem. “Somos em dois grupos, um de apoio aos brasileiros que querem vir para Eslováquia e outro que está dentro da Ucrânia, onde eles se ajudam para poder sair de lá”, explica Eliane, que dá mais detalhes de como funciona o suporte que eles dão. “Estamos o tempo todo passando informações no grupo e tentando acalmar as pessoas. Aqui na Eslováquia estamos dando suporte com comida, lugar para eles ficarem, disponibilizando pessoas na fronteira para pegá-los e levar para ferroviária ou para alguma acomodação que estamos preparando”.

Assim como o Frente Brazucra, tudo é feito remotamente. A brasileira, que mesmo grávida não mediu esforços para ajudar quem precisa, diz que eles estão prontos para receber todos que estão ali e que esperam que o número de pessoas para serem ajudadas aumente. Ela também faz um pedido: “Queremos que os brasileiros na Ucrânia venham para a Eslováquia, até agora essa tem sido a melhor opção e a mais rápida. Na hora da correria, a gente sabe que é muito confuso, mas estamos aqui para ajudar”.

Todos esses suportes e iniciativas tem sido realizados por meio da internet e todos concordam com a importância desse recurso nesse momento. “A internet tem sido fundamental para gente, porque tudo é feito por meio dela”, diz Mary. Eliane aponta a importância ao falar que esse é um meio de comunicação com o qual podem contatar as pessoas. Já Szymanski complementa dizendo que esse recurso “é fundamental, porque por meio dele é possível localizar as pessoas que estão em dificuldade”. Mas não é só esse o benéfico que a internet dá, ele também diz que com ela fica mais fácil “conseguir informações da tropa russa e a região em que elas estão, evitando um possível encontro com os inimigos”.

refugiados na Ucrânia


Fonte: Jovem Pan

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