Após endossar a campanha a favor da eleição de Jair Bolsonaro no segundo turno de 2018, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) se diz arrependido do voto. No último dia 30, assinou um superpedido de impeachment ao lado de Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, e outras lideranças de esquerda. Poucos dias depois, anunciou que o MBL – movimento que liderou as manifestações que pediram ‘fora, Dilma’ em 2016 – irá para às ruas contra Bolsonaro em setembro. Em entrevista à Jovem Pan, Kataguiri disse que o presidente se tornou aquilo que dizia combater, envolvido em supostos escândalos de corrupção. O deputado também falou sobre as eleições de 2022 e a possibilidade de deixar o DEM para tentar a reeleição por outro partido.
Você e o MBL vêm se posicionando contra o governo e convocaram protestos para o dia 12 de setembro. Vocês apoiaram o presidente em 2018. A partir de que momento isso mudou? No dia 26 de maio de 2019, quando ele e suas bases convocaram manifestações contra o Congresso Nacional e o Supremo. Naquele momento, a gente percebeu que ele não tinha nenhum compromisso com a democracia e estava disposto a fazer o que fosse necessário para manter seu projeto de poder. E isso se agravou com a pandemia, a negligência criminosa com a qual ele conduziu ou deixou de conduzir a compra de vacina, sabotou todas as medidas de distanciamento social para conter o vírus, fazendo o contrário, incentivando e participando de aglomerações. E com a saída do ministro Sergio Moro ficou escancarada a interferência direta dele na Polícia Federal para blindar a si mesmo e aos filhos no escândalo que ele próprio fez parte, de desvio de dinheiro público e de peculato. Mas o estopim da nossa mudança de postura foi 26 de maio de 2019.
Por que resolveram convocar manifestações separadas? Se unir às que já estão ocorrendo não teria mais força? Primeiro que manifestações de esquerda têm acontecido há um bom tempo e a gente discorda do momento em que elas foram convocadas, porque não faz sentido a gente criticar o presidente pela negligência criminosa na pandemia e promover aglomerações, ainda que com máscara, com o perigo de se ter uma terceira onda. Então preferimos marcar a manifestação para quando a situação estiver mais segura. E segundo, não há nenhum tipo de segregação. Qualquer um que queira comparecer à manifestação, de qualquer espectro ideológico, vai ser bem-vindo — desde que defenda o impeachment do presidente da República. Não vai haver antecipação de campanha, nenhum tipo de candidatura, nenhum carro de som de partido político, justamente para evitar algo que nos divida.
Você apresentou o superpedido de impeachment ao lado de partidos como o PT e o PCdoB, sobre os quais sempre se posicionou contra. Acredita em um diálogo com as siglas de esquerda nesse momento? Continuo me posicionando contra as ideias de todos esses partidos políticos e algumas de suas figuras, o que não me tira o pragmatismo de saber que a gente só derruba o presidente da República com o voto dos parlamentares de cada um desses partidos que hoje estão pedindo impeachment. Então, pontualmente, nessa causa não vejo problema nenhum em dialogar e assinar iniciativas em conjunto.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, já disse que não deve aceitar o pedido. Você vê alguma chance do processo ser aberto em outro momento? Vejo, sim. Ele disse que não é o presidente da Câmara que faz o impeachment, mas o impeachment que faz o presidente da Câmara. E é verdade. Impeachment é uma coisa que começa de fora para dentro. Não vai ser uma iniciativa de dentro do Congresso Nacional. Tem que ter imposição da sociedade, é por isso que as manifestações têm o dever de serem grandes, justamente para obrigar o presidente da Câmara a acolher o pedido. A partir do momento em que ficar muito caro associar a imagem dele ao presidente, mais do que todo o apoio que o Bolsonaro já tem vendido via cargos e emendas, quando não valer mais a pena se vender por nada disso e a própria associação com o presidente da República já representar uma ameaça à reeleição dessas figuras do Centrão, aí o impeachment se torna inevitável como foi o da Dilma. Hoje a gente tem uma oposição que defende o impeachment e avança para ter o apoio do centro e da direita.
O MBL ganhou força em 2016, com as manifestações contra a ex-presidente Dilma, levantando uma bandeira anticorrupção. Como você avalia as denúncias de supostas irregularidades na compra de vacinas pelo governo Bolsonaro e também do esquema das rachadinhas? Acho que ele está se tornando exatamente aquilo que ele dizia combater, sucumbindo a escândalos de corrupção, utilizando a máquina pública para se blindar de investigações, acabando com a operação Lava Jato. Há muito tempo não se vê nenhuma investigação de esquemas de corrupção de colarinho branco em Brasília contra nenhum deputado, nenhum senador. Tem uma verdadeira operação “abafa” em curso com a Procuradoria-geral da República, o procurador nomeado pelo presidente, e com a PF muito menos focada no combate à corrupção do que a gente tinha anteriormente com a Lava Jato. Além da aprovação de uma série de medidas, a Lei de Improbidade Administrativa, a tentativa de aprovar a PEC da impunidade, a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade, várias iniciativas patrocinadas pelo presidente da República que diminuíram o poder de investigação e aumentaram a intimidação a juízes e promotores que atuam no combate à corrupção.
Fonte: Jovem Pan