Impacto da pandemia: ‘Meu filho regrediu com o isolamento’, relata mãe de criança autista

Thaís e o marido sentiram diferenças no comportamento dos filhos durante a pandemia de Covid-19

Aos sete anos, Erick aprendeu o alfabeto russo sozinho, mas atualmente demanda esforço de sua mãe, Thaís Cardoso, para prestar atenção nas aulas de português por chamada de vídeo. “Alguns autistas conseguem desenvolver habilidades impressionantes quando gostam de um tema. Porém, eles também têm um sério problema de concentração quando não se interessam por um assunto”, explica a fisioterapeuta. As queixas em relação à adaptação para o ensino a distância (EAD) e a falta de engajamento em certas áreas do conhecimento não são exclusivas das crianças diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mas a diferença é que Erick tende a copiar o comportamento dos seus colegas quando vai à escola presencialmente para se adequar àquela realidade social e, com a necessidade de permanecer em casa devido à pandemia do novo coronavírus, os exemplos que ele tinha no dia a dia de como se portar no momento dos estudos foram por água abaixo.

“Não é que os autistas não sejam capazes de aprender online, mas eles precisam da interação social porque aprendem o comportamento vendo outras crianças da mesma idade. Claro que tentamos reforçar alguns aprendizados em casa, mas é na escola que o meu filho vê os amigos sendo independentes na hora de comer, de pegar algo na mochila ou vestir o casaco antes de sair”, afirma Thaís. O relaxamento das medidas restritivas para conter a Covid-19 e a implementação do ensino híbrido não solucionaram o problema e ainda geraram um desafio novo. “O abre e fecha das escolas acaba com a rotina que os autistas tanto precisam. As pessoas com TEA se sentem mais seguras quando sabem o que vai acontecer e entram em crise quando há mudanças repentinas. Não estou defendendo a abertura das escolas na situação que estamos vivendo, mas é preciso apontar o impacto que isso causa.” No início da pandemia, Erick desenvolveu uma seletividade alimentar temporária, maneira como é chamada a aversão sensorial a certos sabores, texturas ou cores que pode se tornar até uma fobia de determinadas comidas. Em dado momento, o menino também passou a precisar da ajuda dos pais para se secar e colocar as roupas, coisas que ele fazia sozinho antes da quarentena. “Meu filho teve uma grande regressão para uma criança da idade dele”, conclui Thaís.

O fenômeno também foi percebido dentro das escolas especializadas na educação de crianças autistas, que tiveram que seguir as mesmas diretrizes de todas as outras instituições de ensino do país. “Os autistas, que naturalmente já têm dificuldade de socialização, estão ficando ainda mais fechados com a pandemia. E quanto mais eles se isolam, maior vai ficando essa dificuldade, porque eles entram em uma situação que é cômoda para eles. Houve um prejuízo grande nessa área”, explica a diretora pedagógica Adriana Moral, do Centro Lumi em São Paulo. A escola estava acostumada a trabalhar de forma personalizada com os seus estudantes: cada sala possuía até seis alunos de diferentes idades e estágios de desenvolvimento, que recebiam atenção personalizada de três assistentes e uma professora com formação em pedagogia e psicologia. Por esse motivo, a transição ao ensino remoto foi um desafio. “Como trabalhamos com alunos que têm dificuldades motoras e de atenção, aos poucos percebemos que os exercícios funcionavam melhor nos tablets do que nos materiais impressos e que as atividades tinham que ser mais curtas e lúdicas”, relata Adriana.

Ainda assim, o fato de os autistas terem dificuldade de flexibilização foi um desafio na aceitação do novo ambiente de estudos. “As crianças autistas são mais rígidas na separação entre o espaço da escola e o espaço de casa. Tivemos um aluno que simplesmente não aceitava ter que fazer atividades escolares no seu apartamento”, conta a diretora pedagógica. Com a implementação do ensino híbrido, não houve a recuperação da socialização dos estudantes devido ao distanciamento social, e a necessidade de aplicar outras medidas de combate à Covid-19 ainda trouxe novas dificuldades a serem contornadas. “Muitos alunos não conseguem seguir todos os protocolos de segurança por uma questão de disfunção sensorial que faz parte do transtorno. Uns não conseguem ficar de máscara porque a sensação é horrível para eles, outros têm o costume de colocar a mão na boca ou lamber diretamente certas superfícies. Mas existe também um outro lado: os autistas costumam seguir uma rotina de forma bastante rígida depois que se acostumam com ela. Ou seja, o início foi difícil, mas depois as crianças passaram a não tirar a máscara por nada”, exemplifica Adriana.


Fonte: Jovem Pan

Comentários